É comum as pessoas (inclusive designers) confundirem identidade corporativa com identidade visual, aquela parte do design que trata de elaborar marcas gráficas para as empresas.
Mas essa confusão toda não faz sentido, veja só porquê. O que é a identidade de uma pessoa? São aquelas características que só ela tem, as qualidades e os defeitos, as manias e idiossincrasias. Com uma empresa é a mesma coisa: a identidade corporativa é o conjunto de atributos que a tornam única, especial; é o seu DNA, que muda pouco ou nada ao longo do tempo. Como as marcas mudam e nem sempre são concebidas de maneira adequada, já dá para ver que identidade corporativa não pode ser sinônimo de design gráfico. Além disso, as características mais importantes são conceituais, não físicas.
Isso não quer dizer que o design não seja importante. Ele é, e muito! É o design o responsável por traduzir os atributos que definem a identidade da empresa em projetos bi ou tridimensionais. O design é que possui as ferramentas necessárias para garantir que a marca não possua elementos que contradigam esses atributos.
Minha consultoria, além da aplicação de um método que auxilia na definição da identidade corporativa, inclui também módulos específicos que buscam alinhar o que a empresa é, na sua essência (identidade), com as suas manifestações físicas (os produtos, embalagens, impressos, webdesign, ambientes, apresentações, comunicações, nomes, relações com os clientes, gestão de pessoas e identidade visual). E vejam só, tem um módulo especialmente concebido para orientar o alinhamento da marca gráfica da empresa à sua identidade corporativa.
Primeiro, é realizada uma análise detalhada da marca atual que considera as formas, as cores e a tipografia para verificar se ela traduz corretamente os atributos essenciais. A semiótica, a Gestalt e outras teorias ajudam a embasar as considerações e recomendações para a busca da melhor solução, se for o caso. Isso vale para a marca e todos os projetos gráficos que serão usados pela empresa. Para entender melhor, vamos a um exemplo: se a empresa é predominantemente racional, tecnológica, formal e clássica, deve-se preferir cores frias a quentes, formas exatas e simétricas a orgânicas, fontes tipográficas sem serifas a fontes manuscritas. Nada que possa amedontrar um designer experiente.
Mas o que a criatividade do título tem a ver com tudo isso? É que, não raro, ouço comentários reclamando que as recomendações “engessam” e “podam” a criatividade, tiram a flexibilidade do designer e impedem a obtenção de soluções originais, tendendo a fazer as peças caírem na “mesmisse”.
É realmente muito comum que o conceito de criatividade seja relacionado com o de liberdade. A criatividade é uma ferramenta, e, como tal, deve se prestar ao atendimento de objetivos. Criatividade sem limites é arte. Arte é a expressão particular do artista, no mais das vezes, sem nenhum compromisso com resultados mercadológicos ou variações de percepção que a obra possa provocar. Design corporativo não é arte, mas uma forma de traduzir a identidade da empresa da melhor maneira possível a fim de atingir os objetivos da comunicação.
Percebam que as recomendações propostas para a identidade visual são apenas orientativas, não definem como o designer deve fazer o seu trabalho. Tenho certeza de que um bom criativo considerará essas limitações meros detalhes, já que ele precisa conviver com muitas outras de bem mais complexa solução. Mesmo assim, observe-se que a as diretivas são para que esses elementos sejam apenas evitados – se houver uma justificativa conceitual realmente muito bem fundamentada, é claro que serão usados. Se a justificativa não se sustentar, prevalecem as recomendações.
Se o criativo em questão só consegue achar soluções que tenham formas orgânicas para a empresa do exemplo, ele deve estar bloqueado mesmo, mas não é por causa das recomendações. Elaborar um projeto gráfico sem nenhuma limitação, significa projetar sem conceito nenhum. Repito, isso não é design.
Por último, vale lembrar que em praticamente toda a bibliografia relacionada à criatividade, os exemplos de exercícios criativos são sempre concebidos para a solução de um determinado problema com condições de contorno e requisitos a serem atendidos (que nada mais são do que limitações e restrições de projeto). Isso acontece porque, na vida real, sempre há requisitos a serem cumpridos e limitações a serem contornadas.
As restrições, são, assim, um combustível para a criatividade. Não há exercício de criatividade sem nenhum tipo de restrição, pelo menos aqueles com alguma aplicação prática. Mais restrições requerem mais criatividade, não menos. Assim, ao contrário de engessar a criatividade da equipe, essas recomendações desafiam a busca de soluções realmente originais, fundamentadas e inventivas. Tenho visto resultados incríveis em algumas empresas.
Pouca coisa consegue tolher a criatividade de alguém realmente talentoso — gente criativa e flexível usa as recomendações como ferramentas, não como viseiras tapa-olho. Mas é que ferramentas só são úteis para quem sabe usá-las…
autora: Ligia Fascioni
fonte: Acontecendo Aqui
Uma resposta
Grande artigo, concordo completamente com tudo que foi dito.
Acredito que a maioria dos designers que se dizem “designers”, não conhecem o real sentido da palavra, pois sé por um leve momento lembra-se que Design e sinônimo de projeto lembraria de todos os apontamentos feitos no texto.