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A Regionalização da Propaganda

O Brasil ou vários países que falam a mesma língua. Cada qual à sua maneira. A perua do gaúcho é a dama do pernambucano e que, por sua vez, vem a ser a chamada mulher de vida fácil. O farol do paulista é o sinal do carioca e a alcatifa do pernambucano é o tapete da maioria dos brasileiros. Se um paraibano precisar de um rosário, pode estar querendo uma esteira de trator. E se um mineiro lhe falar em propina, não se assuste: ele certamente estará se referindo a uma pilha de lanterna.

Uma das coisas mais curiosas de que me lembro, nesse terreno das conotações e das variações semânticas regionais, é um “outdoor” , obviamente criado em São Paulo, mas infelizmente veiculado em todo o Brasil, que exportava machões deste imenso País a vestir uma maiô de Lycra para curtir o próximo verão.

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Lembro-me também de um anúncio da Nestlé, cujo título era, mais ou menos, assim:
“Canjica com Leite Moça fica muito mais gostosa”. E a ilustração mostrava alguma coisa que nós, aqui em cima, chamamos de mungunzá, nunca de canjica. Alias vale explicar que a nossa canjica é o curau do paulista, e, já que enveredamos pela culinária, não custa nada registrar que o jerimum do nordestino é a abóbora do sulista, que a macaxeira do pernambucano é a mandioca do baiano, que a mexerica do mineiro é a tangerina de nós outros e que, para nós, lombo é carne de boi assada, mas no sul é carré de porco mesmo.
E para coroar toda essa confusão, se você estiver na Bahia pode entrar no açougue e pedir para embrulhar um paulista; mas em São Paulo, manda a prudência que você peça um lagarto…

O campo das conotações é riquíssimo.

Como tratar um gaúcho de você? O “tu”, cerimonioso e mesmo pedante em outras partes do País, lá no Rio Grande se emprega com naturalidade. Assim como o “tchê”, herdado da convivência castelhana. Para os mineiros, nada mais corriqueiro e coloquial do que um “oi!”, do mesmo modo que, para os baianos, o “digaí”.

Um estudo publicado em 1976 investiga as preferências por nomes próprios nas várias regiões do Brasil. Uma pesquisa de quase trinta anos, consultando listas telefônicas e certidões de nascimento e de óbitos, revelou que maranhenses preferem Ribamar, em Sergipe predominam os Cíceros, os mineiros apreciam particularmente Camilo e os catarinenses , são chegados a um Ivo.

Essa questão deixa de ser apenas engraçada para tornar-se muito séria, quando pensamos em anunciar nacionalmente. Não podemos fugir à realidade de que a propaganda maneja palavras, sons e imagens, que possuem, às vezes, como nos exemplos que vimos, significados inteiramente diversos de uma região para a outra.

São nuances que podem levantar barreiras ao processo de comunicação. Afinal, a mensagem publicitária tem como alvo gente que vive emoldurada por um conjunto de hábitos,convicções e verdades próprias, definidos e cristalizados no âmbito da sua comunidade.

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A observação dos fenômenos regionais no âmbito do “marketing” e da comunicação mercadológica é relativamente nova. Muita gente tem se ocupado da questão, porém, quase sempre, dos seus aspectos mais folclóricos e superficiais.

Não quero, com isso, afirmar que caiba aos homens de “marketing” e de propaganda a tarefa de investigar as causas e o processo de formação das características tipicamente regionais do comportamento,da linguagem, do universo cultural e social. Isto é, seguramente, função de historiadores,sociólogos e antropólogos.

Cabe a nós isto sim, reconhecer o fenômeno e estar atento a suas repercussões sobre nosso campo de atuação profissional.

Essa preocupação com a regionalização do “marketing” e da propaganda começou a ocorrer como um processo caudatário da formação de empresas brasileiras verdadeiramente nacionais. À medida em que foram avançando numa economia de escala, essas empresas tiveram que sair de seus casulos regionais para ganhar novos espaços (vale dizer:novos mercados de consumo) pelo País afora. Nesse processo de expansão, os desbravadores começaram a conviver com as novas realidades das regiões onde iam penetrando e a deparar com problemas inusitados de toda ordem, fosse de comercialização, fosse de comunicação, a exigir respostas e soluções, das quais dependeria sua própria sobrevivência nesses novos mercados.

Que estranhos motivos, por exemplo, levam a Coca-Cola a ser líder de mercado em todo o País, menos no Pará e no Rio Grande do Sul, onde a Pepsi goza da absoluta preferência dos consumidores?

Em Minas, na Região da Mata, determinados produtos de limpeza, como Bombril, são comercializados em farmácias e drogarias, sendo que a distribuição nesses pontos-de-venda é mais significativa do que através de supermercados, empórios ou mercearias

Nas regiões mais pobres do Brasil, cigarro é vendido por unidade, ou como nelas se diz, “a retalho” ou “a varejo”. Mas os fabricantes de cigarros descobriram, além disso, que,curiosamente, em cidades como Curitiba e Salvador, as bancas de jornais eram importantes canais de distribuição para seus produtos.

Se confrontarmos as duas maiores metrópoles brasileiras – São Paulo e Rio –, vamos encontrar uma infinidade de diferenças nos hábitos de consumo, que se escondem por baixo do seu ar aparentemente cosmopolita.

No Rio, por exemplo, o comércio de galeria sedimentou-se a partir dos primeiros tempos da Galeria dos Empregados do Comércio ou, mesmo antes, da Galeria Cruzeiro. Já em São Paulo, as galerias de lojas forma uma experiência que não vingou.

Já no tocante aos “shopping-centers”, aconteceu praticamente o inverso. Já há alguns anos, eles são uma vitoriosa realidade em São Paulo, mas só recentemente começaram a ser implantados e conhecidos no Rio de Janeiro.

Os supermercados cariocas ainda mantém a venda em granel de determinados itens, ao passo que em São Paulo o auto-serviço há muito é praticado integralmente.

Também em São Paulo, a aceitação do leite em embalagens plásticas ocorreu muito mais rapidamente do que no Rio.

Se esquecermos São Paulo e pensarmos apenas no Rio, vamos observar como uma mesma cidade pode se decompor em diferentes regiões de consumo. Há, na verdade, pelo menos dois Rio de Janeiro: um, anda nos trens da Central e da Leopoldina; outro, anda nos”frescões” e nos automóveis particulares.

Um, a Zona Norte, com padrões sociais nitidamente conservadores, onde, por exemplo, a virgindade ainda é virtude; outro, a Zona Sul, onde se vive um contexto social diametralmente oposto, que, sob certos aspectos, só encontra paralelo em algumas das maiores cidades do mundo.

Passando do rio para Minas Gerais, o que encontramos? Não uma única região, homogênea e de contornos definidos, porém uma surpreendente pluralidade de hábitos e comportamentos.

O “País das Gerais”, de que falava o poeta Dantas Mota, tem seus contrastes internos. A chamada Zona da Mata, que gravita em torno de Juiz de Fora, sofre uma nítida influencia do Rio de Janeiro. Pode-se dizer, até, que não integra a comunidade mineira. Juiz de Fora chega mesmo a ter seu próprio campeonato regional de futebol profissional, mantido por uma liga forte e que só ocasionalmente participa do campeonato “mineiro”.

Já a região do triângulo – especialmente Uberaba e Uberlândia – está mais próxima dos hábitos da região do interior paulista conhecida como Mogiana.

Por outro lado, o norte de Minas e o Sul da Bahia guardam extrema semelhança em suas economias e sociedades.

Fenômenos singulares ocorrem também no Paraná, onde existem dois pólos econômicos e culturais claramente diferenciados, um girando em torno de Curitiba, outro ao redor de Londrina e Maringá. Entre essas duas regiões, há comportamentos que se antagonizam, e padrões de consumo opostos, a tal ponto que certos produtos são bem aceitos numa região e rejeitados na outra.

O Vale do Itajaí, em Santa Catarina, abriga dois sistemas culturais diversos.

Um deles, o mais conhecido, de colonização alemã (Joinville, Blumenau, Brusque, Garcia, Gaspar, Pomerode ), pouco permeável, com sua arquitetura, seus produtos,seus hábitos, sua religião predominantemente protestante. Outro, tendo como base a cidade de Nova Trento, com sua latinidade fruto da colonização italiana.

Essa é uma Santa Catarina que nada tem a ver com sua própria capital, Florianópolis, nem com o oeste distante de Joaçaba e Xanxeré e muito menos com a região carbonífera de Criscíuma e de Tubarão.

O que dizer, então do Rio Grande do sul, onde convivem três culturas distintas: a alemã, a espanhola e a italiana? Que traço de união cultural e social liga as gentes de Garibaldi, de Novo Hamburgo ou do Vale dos Sinos aos peões da fronteira, dos Sete Povos das Missões?

O nordestino do agreste, submetido à inclemência de um meio ambiente desfavorável, tinha que diferir, como difere, do nordestino do litoral.

A recente divisão do Mato Grosso, em dois estados, simplesmente passou recibo de uma divergência histórica, de cunho político. Já entre Sergipe e Bahia, apesar da separação político-geográfica, o que se constata é uma profunda afinidade, que as vezes torna impossível distinguir o genuinamente baiano do genuinamente sergipano.

Todas essas realidades, essas curiosidades, esses casuísmos regionais evidentemente tem muito a ver com o “marketing” e, mais especificamente, com a atividade a que nos dedicamos, que é a propaganda.

Um “case” da Willys é ilustrativo. Ao testar no Rio Grande do Sul uma nova campanha para o lançamento da sua perua, evitou um desastre mercadológico, pois descobriu a tempo que, lá no Sul, “perua”, como dissemos antes, é um dos sinônimos de prostituta.

Não é à toa que grandes anunciantes já estão pensando e, am alguns casos, já chegaram mesmo a segmentar sua atividade mercadológica e publicitária em função dos vários mercados que atuam. É o caso recente da Volkswagen, que distribuiu a conta da sua Rede Autorizada por nada menos que 06 Agências de diferentes regiões.

Se as peculiaridades regionais afetam o planejamento e a execução de programas mercadológicos, não é menos verdade que afetam, igualmente, cada uma das etapas do planejamento e da execução da propaganda.

A começar pelo atendimento. E isto exige uma rápida digressão pelo atual estágio do “marketing” no Brasil.

Se excluirmos algumas — não muitas – empresas de São Paulo, poucas do Rio de Janeiro e raras de fora do eixo Rio-São Paulo, onde, hoje, encontraríamos organizações voltadas para o “marketing”? Quantas possuem gerência de produtos?

Quantas empregam especialistas em propaganda, em promoção de vendas, em “merchandising” ? Quantas dispõem de analistas de canais de distribuição?

Na verdade, a maioria das empresas do País limita-se a manter um diretor ou gerente comercial que cuida também de “marketing”, no tempo que lhe sobra de mil outros afazeres.

É forçoso entender que o “marketing”, no Brasil ainda está circunscrito às industrias de bens de consumo, sendo raras as instituições comerciais ou de serviços a praticá-lo adequadamente. Ainda há pouco, a Revista “Marketing” dedicou uma de suas edições ao assunto “marketing bancário”, revelando que esse setor do “marketing” mal começa a dar seus primeiros passos em nosso País.

Ora, a maioria dos Clientes das pequenas e médias Agencias, e até mesmo uma boa parte dos Clientes das grandes Agências de propaganda situam-se exatamente nessa larga faixa de organizações que ainda não ingressaram verdadeiramente na era do “marketing”.

Então, essas Agências, antes de exigir “briefings”, antes de esperar, em vão, dados de mercado que possam subsidiar suas propostas e elucidar suas duvidas, antes mesmo de elaborar seus planejamentos de comunicação, elas precisam socorrer o Cliente e ajuda-lo a fazer o seu “marketing”.

Assim, o profissional de atendimento precisa muitas vezes planejar, não apenas a comunicação, como também a estratégia de mercado. Supervisionar e, às vezes, fazer as pesquisas de mercado necessárias. Determinar os materiais de ponto-de-venda a serem utilizados.Checar os canais de distribuição.Debater a política de preços.

Do planejamento e do atendimento passemos à mídia.

Ainda existem cidades por esse Brasil afora com um só ou nenhum canal de televisão.

Com um só ou nenhum jornal, ou, outras vezes, com três ou quatro jornais, entre os quais somente um consegue formar uma razoável audiência.

Onde, fora do eixo Rio-São Paulo, existem revistas com circulação nacional?

A mídia é um dos setores da propaganda que mais requerem o conhecimento íntimo e atualizado de cada região, a começar pela mais importante região de todas, que é a Grande São Paulo, e onde o número de opções disponíveis na chamada mídia alternativa é simplesmente assombroso, cada uma delas requerendo exame e avaliação cuidadosa,se se deseja fazer uma criteriosa e produtiva aplicação da verba do Cliente.

Quem é que, confortavelmente instalado no seu escritório na Av. Paulista,poderia supor que, durante muito tempo, a TV Rodoviária de Belém do Pará, operando em circuito fechado, fosse um dos mais importantes veículos de comunicação daquela cidade?

Quem é que, folheando volumosos relatórios de pesquisa de mídia ou acionando sofisticados computadores, conseguiria descobrir que, em milhares de cidades do interior do Brasil, o carro com alto-falante é a mais eficiente, quando não única, mídia disponível?

E a produção?

Se o anunciante está fora do eixo Rio-São Paulo, é bom que pense duas vezes antes de produzir um comercial filmado. Primeiro, porque dificilmente o comercial poderá ser produzido localmente com boa qualidade; segundo, porque os custos de produção, quando confrontados com os de veiculação, geralmente resultam numa produção inteiramente disparatada.

Esse não é um panorama restrito à produção cinematográfica, mas igualmente verdadeiro para a produção gráfica, fotográfica e eletrônica. Numa grande capital do Nordeste, por exemplo, até recentemente um comercial em “vídeo-tape” só podia ser gravado, transcrito ou reproduzido em preto e branco.

Mas, de todas as áreas da propaganda, a criação é, certamente, a mais sensível às características tipicamente regionais do ser,do pensar e do agir.

Provavelmente, porque utiliza uma matéria-prima frágil e delicada: palavras, sons, imagens e emoções; símbolos,enfim, cuja utilização requer a precisão e a sensibilidade que só advêm do profundo conhecimento do contexto em que serão empregados.

Não há regras nem parâmetros que permitam conhecer com antecedência se uma mensagem será bem ou mal aceita nesta ou naquela região. Este é um terreno onde a vivencia e a intuição valem mais do que todas as teorias. Talvez a nenhum outro setor da propaganda, tanto quanto à criação, se aplique tão bem a conhecida máxima de que em propaganda não há regras; há bons publicitári

Durante a apresentação desta palestra foram apresentados alguns comerciais com características locais.

A que conclusão chegamos, finalmente?

À de que é impossível aplicar modelos únicos de “marketing” ou de propaganda a nível nacional?

À de que todo grande anunciante nacional deveria ser atendido por diferentes Agências, uma em cada região?

À de que um anunciante deveria usar tantas campanhas de propaganda, quantos fossem os mercados visados?

Não. Não necessariamente.

Na verdade, esse é um ideal inatingível.

Se cada empresa tivesse que resolver seus problemas de “marketing” de uma maneira inteiramente diversa em cada mercado, a relação custo/benefício se tornaria injustificável.

Uma coisa é investir três ou quatro milhões de cruzeiros num comercial e diluir esse custo por todos os mercados-alvo. Outra coisa, seria multiplicar esse valor por tantos mercados quantos fosse necessário atingir.

Por outro lado, como já vimos, é perigosíssimo traçar planos de “marketing” e de comunicação sem o perfeito conhecimento dos diferentes contextos regionais em que serão aplicados.

Qual, então, o melhor caminho para o anunciante que precisa racionalizar ao máximo seu investimento em propaganda e, ao mesmo tempo, dele extrair o maior retorno?

Minha experiência tem provado que a solução perfeita não consiste apenas em computar dados de mercado, em realizar pesquisas e testes, mas, sobretudo, em permitir que a estratégia e, ao menos, os conceitos básicos da comunicação sejam desenvolvidos conjuntamente por um grupo de bons profissionais, cada um deles, intimamente identificado com a problemática e as peculiaridades de cada mercado a ser coberto.

Em outras palavras, a solução que imagino nada mais é do que acrescentar aos elementos objetivos de decisão uma boa dose de subjetividade, de intuição, de sensibilidade humana para interpretar fatos,circunstâncias e situações que os números e os dados por si só não explicam.

A fórmula não é nova. Ela vem sendo aplicada, no exterior, por inúmeras Agências, que mantém times internacionais de planejamento e de criação, formados por profissionais oriundos dos vários países onde atuam seus Clientes. Essas equipes definem estratégias e elaboram conceitos criativos, que são, em seguida, polidos e retocados para adaptar-se com precisão à realidade de cada país onde serão aplicados.

No Brasil, entretanto, essa fórmula não tem sido praticada com a assiduidade desejável. De fato, aplica-la não exige apenas um pouco mais de tempo para planejar e conceituar, nem apenas um investimento maior por parte da Agência. É preciso, também, que esta possua uma experiência diversificada de operação em diferentes mercados.

autor: Rodrigo A.Sá Menezes
fonte: Memória Nacional da Propaganda

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