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A dinâmica da indústria do futebol

Nesses tempos de grande movimentação no negócio futebol no Brasil, é comum ouvir de gente bem intencionada do mundo do futebol – bem como do dos negócios – afirmações do seguinte tipo: “Os clubes brasileiros não podem arcar com custos europeus (salários dos jogadores) tendo receitas que são 4 ou 5 vezes menores do que as dos clubes do velho continente. Portanto, os salários do futebol brasileiro precisam se adaptar à realidade das nossas receitas.” Apesar do diagnóstico preciso, a conclusão é inteiramente equivocada e o entendimento desta questão é crucial para a evolução do negócio futebol no Brasil.Para entender o motivo do equívoco, é necessária uma análise microeconômica da inserção do futebol brasileiro na peculiar dinâmica da indústria do futebol no mundo. Os clubes de futebol têm como principais desembolsos os gastos com jogadores, tanto na forma de investimentos (aquisição de jogadores) como de despesas (salários e “bichos”). Trata-se, portanto, de uma indústria intensiva em mão de obra (jogadores). Esta mão de obra, por sua vez, é certamente mais móvel que em qualquer outra indústria, ou seja, um jogador brasileiro (Romário, por exemplo) pode se transferir para qualquer país (Holanda) e ser a grande estrela do campeonato local (como ocorreu no início da década de 90). Ora, em uma indústria intensiva em mão de obra e tendo a perfeita mobilidade geográfica como característica peculiar, as empresas (os clubes) têm seus principais custos determinados no mercado global, independentemente da qualidade da gestão dos clubes. Já as suas receitas, tais como direitos de TV, bilheteria, patrocínios e licenciamento de produtos,dependem inteiramente da dinâmica do mercado local onde esses clubes estão inseridos. Cada país tem, portanto, um potencial de geração de receitas que é determinado pelas seguintes características (i) tamanho e dinâmica do mercado de TV, aberta e paga; (ii) tamanho da população, nível de renda e sua paixão por futebol; (iii) atratividade do país para as empresas, afetando diretamente o mercado publicitário; e (iv) organização interna do futebol (calendário racional, segurança dos estádios, credibilidade dos dirigentes etc.).

A dinâmica da indústria é essencialmente a mesma desde a disseminação do futebol pelo mundo, mas a explosão das receitas dos clubes europeus (principalmente ingleses) na década de 90 criou um impasse para todos os países onde o futebol está presente. Ao contrário da visão comum apresentada no início do texto, apenas os países que tiverem as características internas que lhes permitam gerar as receitas necessárias para suportar os custos, que são determinados no mercado global, terão assegurado o desenvolvimento de uma indústria local de futebol, tendo o privilégio de assistir a jogadores de primeiro nível em seu próprio solo. Restarão, portanto, poucos centros onde o futebol será viável como negócio e os principais candidatos são Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha, França, Argentina e Brasil. Deverão ficar de fora desta lista países pobres e/ou pequenos apaixonados por futebol (e.g. Nigéria e Holanda respectivamente) e países grandes e ricos sem paixão pelo esporte (e.g. EUA e Japão).

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O Brasil possui hoje, em diferentes graus, todas as características necessárias para figurar nessa lista, exceto a “organização interna do futebol”. Caso o futebol brasileiro se organize, nossos principais clubes certamente serão ativos de valor comparável ao dos principais clubes ingleses negociados em bolsa (Manchester United – US$ 900 milhões; Chelsea – US$ 190 milhões Newcastle – US$ 190milhões). É esse potencial que atrai os investidores que hoje negociam parcerias com os clubes brasileiros. Os agentes que deverão transformar em alguns anos a indústria de futebol no Brasil serão liderados (a) pelos investidores, (b) pelas emissoras de TV, que pagam cada ano mais pela transmissão dos nossos campeonatos, (embora ainda sejam valores baixos em relação aos nossos competidores europeus), (c) por empresas que desejem associar suas marcas a um produto de qualidade, (d) pelos fornecedores de material esportivo, que gostariam de desenvolver um mercado de mais de 100 milhões de consumidores, e (e) pelo Governo, incentivado por motivos políticos e fiscais, através de legislação que crie e aperfeiçoe o ambiente institucional.

Depois de entender que os recentes movimentos no Brasil são conseqüência dos desenvolvimentos da indústria a nível global, resta explicar por que, após quase um século de evolução lenta e gradual até o final da década de 80, essa indústria global vem passando por uma verdadeira revolução, ainda em seu estágio inicial. Na verdade, a mencionada revolução é consequência da fantástica evolução da indústria de mídia televisiva. O crescimento dramático da quantidade de canais de televisão disponível, principalmente com o advento da TV paga, aumentou significativamente a demanda por programação, especialmente aquela como o futebol, capaz de atrair novos assinantes, pronta para veiculação e isenta de grandes produções. Assim, o valor dos direitos de transmissão de futebol explodiu no mundo (na Inglaterra, passou de US$ 5 milhões em 86 para US$ 450 milhões em 99), gerando significativas receitas adicionais para os clubes. Além do valor dos direitos de transmissão, o aumento da exposição dos jogos de futebol na TV (a Copa do Mundo se tornou o evento de maior audiência mundial), alavancou radicalmente as demais receitas dos clubes, relacionadas a patrocínios e venda de produtos associados às marcas dos clubes.

Em um mercado de trabalho competitivo, em que os clubes disputam os jogadores, cada clube está disposto a pagar pelo jogador (em valor de transferência + salários) o equivalente ao valor presente da receita marginal que aquele jogador gerará ao clube, sob a forma de maior bilheteria, maior exposição da marca, maiores valores de TV etc. Embora essa receita marginal seja de difícil estimação, é certo que ela cresceu dramaticamente em função do aumento exponencial das receitas dos clubes europeus, sendo inevitável que grande parte disso tenha sido repassada aos jogadores, sob a forma de maiores salários e valores de transferência. Como discutido no início do texto, esse aumento de custos se espalhou pelos clubes brasileiros, além de os terem obrigado a vender seus grandes ídolos.

Embora com diferentes graus de entendimento da dinâmica desta indústria tão peculiar, e por incentivos diversos, os agentes nela envolvidos (investidores, TVs, patrocinadores, imprensa e governo) estão se movendo na direção da organização e profissionalização do futebol brasileiro. Em período não superior a 5 anos, constataremos que ao contrário da equivocada conclusão apresentada no primeiro parágrafo, as receitas dos clubes brasileiros, sob a qual temos ingerência pois são determinadas no mercado local, terão se ajustado aos custos dos jogadores, que nos são dados, uma vez que são determinados no mercado de trabalho global. Assim, teremos o benefício de ter uma indústria do futebol como importante componente da indústria do entretenimento no Brasil e, conseqüentemente, o privilégio, restrito a poucos países, de apreciar jogadores de futebol de primeiro nível, brasileiros e estrangeiros, jogando em nossos gramados.

autores: Edgar Chagas Diniz e Leonardo Lenz Cesar
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