Nenhuma empresa nacional teve expansão tão espetacular quanto a Gol — um símbolo do novo capitalismo brasileiro
A maneira mais fácil de se tornar milionário”, disse certa vez o empresário e figurão britânico Richard Branson, “é começar bilionário e, em seguida, comprar uma companhia aérea.” A frase de Branson, dono da Virgin Atlantic, resume à perfeição uma notória característica desse setor: a monumental capacidade de queimar dinheiro, gerar prejuízos e dar origem a histórias de fracasso empresarial. Ironia das ironias, foi justamente do hostil mercado aéreo que emergiu o maior fenômeno da história recente do capitalismo brasileiro — a Gol. A trajetória da companhia fundada pelo empresário mineiro Nenê Constantino nesse período é fulminante. A Gol começou a operar em 2001, com uma frota de seis aviões e participação de mercado de apenas 5%, mas desde então vem crescendo de forma exponencial. No ano seguinte, triplicou de tamanho. Em 2003, dobrou. Em 2004, abriu o capital na bolsa de valores. Em 2005, começou a voar para os países vizinhos. No ano passado, conquistou nada menos que 37% do mercado local. E, no mais espantoso passo de sua vertiginosa trajetória, anunciou no final de março a compra, por 320 milhões de dólares, da Varig, empresa que dominava amplamente a aviação brasileira quando a Gol começou. O novo modelo engoliu o velho. Com a aquisição, a liderança no mercado doméstico, antes um sonho distante, pode ter se tornado mera questão de tempo. “Os primeiros seis anos foram um bom começo”, disse a EXAME Constantino de Oliveira Júnior, de 38 anos, um dos sete filhos de Nenê Constantino e presidente da empresa. “Mas essa é apenas uma preparação para os próximos seis.”
Mais que representar um simples caso de sucesso, a trajetória da Gol tem contornos históricos. Segundo uma pesquisa feita por EXAME em parceria com a consultoria Economática, a companhia aérea teve o crescimento mais veloz já visto entre as empresas privadas que começaram do zero no Brasil nos últimos 40 anos — o período em que a economia brasileira foi gradativamente aberta à competição internacional. O faturamento, que foi de 230 milhões de reais no primeiro ano, chegou a 3,8 bilhões de reais em 2006. Ou seja, cresceu quase 17 vezes em cinco anos. E um investimento inicial de 20 milhões de dólares deu partida a uma máquina que vale hoje 11 bilhões de reais na bolsa de valores. “Nunca houve uma companhia que crescesse de forma tão avassaladora no Brasil”, diz o ex-ministro Mailson da Nóbrega, sócio da consultoria Tendências. A Casas Bahia, por exemplo, demorou 48 anos para atingir um faturamento de 3 bilhões de reais. A Natura, 36. Mesmo se comparada a outras companhias de perfil semelhante no mundo, a Gol sobressai. Uma espécie de ícone do modelo de baixo custo adotado pela companhia brasileira, a americana JetBlue, fundada por David Neeleman, também demorou cinco anos para atingir um faturamento de 1,7 bilhão de dólares.
Ninguém cresceu tanto | |
Os principais indicadores da Gol desde o início de suas operações | |
Receita (em bilhões de reais) | |
2001 | 0,23 |
2006 | 3,8 |
Lucro (em milhões de reais) | |
2001 | -3,6 |
2006 | 569,1 |
Número de aviões | |
2001 | 12 |
2006 | 65 |
Participação do mercado doméstico | |
2001 | 4,74% |
2006 | 37% |
Claro, a Gol beneficiou-se de uma conjuntura extremamente favorável. Essa conjuntura pode ser separada em dois grupos de fatores. O primeiro é relativo à própria dinâmica do setor. Em 2001, quando a família Constantino criou sua companhia aérea, o mercado mundial de aviação passava por uma brutal crise — e, sem passageiros para lotar os vôos, muitas empresas deixavam seus aviões estacionados. Em meio a esse cenário de baixa demanda, a Gol conseguiu comprar seus primeiros aviões para começar a operar, algo que seria difícil em um mercado aquecido como o de hoje. Além disso, o nascimento da Gol coincidiu com a vontade do governo. A empresa ganhou de saída espaços em aeroportos de sete capitais brasileiras, deferência que faz as concorrentes corar de raiva até hoje. O segundo conjunto de razões é reflexo das transformações recentes da economia brasileira. A Gol usou com maestria todos os instrumentos financeiros à sua disposição para crescer. Em 2003, recebeu um aporte de recursos do fundo de private equity americano AIG Capital. Na época, a companhia foi avaliada em 200 milhões de dólares. Dois anos depois, levantou 500 milhões de reais com sua abertura de capital, dinheiro investido na compra de aviões. (A Gol foi a segunda empresa a ingressar na nova onda brasileira de IPOs. A primeira foi a Natura.) Além disso, fez da tecnologia sua principal parceira. Enquanto os concorrentes se digladiavam com caros e jurássicos sistemas de vendas, a Gol já nasceu na era da internet, em que quase todas as suas passagens são vendidas. Pode-se afirmar que a Gol é o símbolo mais visível de um novo capitalismo brasileiro. “Sem esse conjunto de fatores, dificilmente teríamos crescido tanto”, diz Constantino Júnior.
Três momentos marcantes da história da Gol |
Em apenas seis anos, a Gol foi fundada, abriu o capital e comprou a antiga líder do mercado brasileiro |
Janeiro de 2001 O fundador, Nenê Constantino, e sua mulher, Áurea Caixeta, inauguram a Gol. Na época, a Varig tinha 40% do mercado brasileiro |
Junho de 2004 Para crescer, a empresa levanta meio bilhão de reais com a abertura de capital, feita nas bolsas de São Paulo e Nova York |
Março de 2007 Nenê e Júnior comunicam ao presidente Lula a compra da Varig. Com o negócio, a Gol encosta na liderança do mercado |
6 Comentários