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O Natal e o kitsch

Está chegando o natal e, mais uma vez, o que se vê por todo o lado é uma overdose de kitsch. Beleza, mas o que vem a ser esse tal de kitsch mesmo?

Vamos lá: alguns livros sugerem que a palavra kitsch nasceu, vejam só, em Munique, Alemanha, para designar trabalhos artísticos apressados e mal feitos, próprios da cultura de massa. Outras fontes, porém, defendem que o termo veio da Áustria, onde as pessoas (as chiques, é claro) usavam-no como uma gíria para designar objetos de mau gosto.

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O fato é que a expressão data da revolução industrial, entre os séculos XIX e XX, onde os bens de consumo começaram a ser fabricados em escala industrial (e, obviamente, mal feitos, a julgar pela tecnologia disponível naquele tempo). É que foi somente nessa época que plebeus puderam ter acesso a coisinhas que antes só os nobres e burgueses ricos podiam colecionar. É claro que a qualidade e o acabamento dos mimos eram discutíveis, mas, para quem antes não tinha nada, foi uma festa. Data daí o início do consumismo desenfreado, um furor que culminou no que hoje se observa em lojinhas de R$ 1,99 (não, por acaso, verdadeiros templos do kitsch).

O fenômeno ocupou pensadores por anos, desde o famoso Abraham Moles, que chegou a escrever um ensaio a respeito, até o respeitadíssimo Umberto Eco. Fato é que o mundo anda cada vez mais descontroladamente kitsch e não sei onde isso vai acabar; acompanhem só o raciocínio.

Basicamente, o kitsch é a materialização da falta de estilo, normalmente associada ao brega e ao mau gosto. Ele está em todas as áreas do mundo civilizado, das artes aos meios de comunicação. E está longe de se restringir a objetos baratos e populares. O kitsch tem alguns princípios que o tornam facilmente identificável. Preste atenção:

1. Princípio da inadequação: é quando se observa no objeto um desvio da sua forma em relação à sua função básica. Um apontador em forma de torre Eiffel é um bom exemplo. A forma da torre em nada contribui para que o apontador funcione melhor, mesmo porque quase ninguém usa esse objeto para apontar lápis (normalmente é comprado em uma loja de quinquilharias chamadas poeticamente de souvenirs e vai repousar sobre alguma estante, mostrando que o dono é um sujeito viajado ou tem alguém na família que é).

2. Princípio da acumulação: é a compulsão pelo preenchimento do vazio com texturas e adornos. É o exagero em seu elemento, o horror à limpeza visual. Ex: a típica “perua” coberta de jóias e roupas de etiqueta com estampas chamativas; folhetos cheios de fotos e informações que não interessam, estão lá apenas para aproveitar o espaço. Em tempos internéticos, dá para ver muito site por aí que não tem nenhum vazio para nossos olhos darem uma aliviada, é tudo coberto. Se a gente amplificar mais o conceito, vai ver que também se aplica a quem fala sem ter o que dizer, só para evitar o silêncio, que é o espaço em branco do som. Isso acontece em vários níveis, inclusive em redes sociais (procure que você vai achar um monte disso no Twitter e no Facebook).

3. Princípio da percepção sinestésica: são as múltiplas relações sensorais provocadas por um único objeto (ex: carta perfumada, caixinha de música com bailarina, websites com música de fundo, cartões de natal com cheiro e som, enfim, todas essas coisas que depois você não sabe como se livrar depois de experimentar uma vez…).

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4. Princípio da mediocridade: é o que trata de modismos e o uso abusivo de clichês de grande aceitação pela massa, como o baixo nível cultural da comunicação e uso do grotesco (ex: como a gente estava justamente falando, é o caso da decoração de natal com neve em um país tropical; propagandas com termos em inglês num país onde essa não é a língua oficial — vide lojas que vivem promovendo “sales” e “% off” no Brasil; bundas e peitos avantajados evidenciados em campanhas de cerveja).

Mas também pode-se reconhecer traços do kitsch por outras características marcantes:

* Linhas: são sempre curvas e complexas; as superficies são exaustivamente adornadas (atulhamento total, não há espaços vazios).

* Cores: são vivas e contrastantes, normalmente em tons degradês e com efeitos especiais, sombras, texturas e relevos (o pôr-do-sol em ilustrações é um ícone kitsch).

* Materiais: imitam outros materiais (fórmicas que imitam madeira, plásticos que imitam metal, pedras que imitam diamantes, pinturas que imitam material envelhecido, acrílico que imita vidro).

* Dimensões: as dimensões são sempre exageradas para mais ou para menos (miniaturas de monumentos, insetos gigantes, maquetes usadas como enfeite, objetos de Itu, etc).

O fato é que chegamos a tal ponto que o mundo inteiro virou uma colossal exposição kitsch. Quer ver o princípio da acumulação em sua melhor forma? É só tentar comprar um telefone celular que só funcione como telefone. Ele necessariamente tem que ter outras 453 funções que você não precisa ou não quer. E isso vale para todas as maravilhas tecnológicas disponíveis no mercado, de relógios a carros; de liqüidificadores a aparelhos de DVD. Quer comer? Vá em qualquer restaurante: são 32 tipos de saladas e 47 pratos quentes no bufê, sem contar as sobremesas. Quer comprar um biscoito? É só escolher entre os que têm 7 vitaminas (8 sabores) e os que são duplamente recheados (12 personagens de desenhos e 15 embalagens diferentes). Nem uma simples manteiga dá para comprar mais com tranqüilidade: são tantos elementos, versões, componentes (funcionais ou não), que você precisa de um curso de nutrição para conseguir ter um mínimo de base para avaliação. Socooorrrro!!!!!

A tecnologia também deu asas ao princípio da sinestesia, onde qualquer coisinha que funcione a baterias toca música, joga em rede, acessa e-mails, mostra fotos, passa filmes e pisca, tudo ao mesmo tempo agora. É de dar dor de cabeça e não é de hoje (escrevi um artigo sobre o kitsch e as empresas de tecnologia em 2001 e tudo continua valendo; olha aqui).

As dimensões raramente levam a ergonomia em consideração: ou o seu dedo é muito grande para o teclado do telefone ou a televisão é gigantesca para o tamanho da sua sala. As geladeiras podem até substituir os guarda-roupas no armazenamento de amantes, de tão grandes que são. E, claro, para cozinhas cada vez mais minúsculas e famílias idem.

Tem também a desmedida imitação de materiais (aparelhos de som de puro plástico, todos com cara de aço escovado; ops, minto, os mais modernos agoram também simulam madeiras nobres).

Beleza; então eu, que não tenho nenhum souvenir, não monto decoração de natal em casa, detesto lembracinhas de qualquer tipo, evito comprar enfeites de R$ 1,99 e tenho alergia a efeitos gráficos especiais estou livre desse negócio de kitsch, confere? Pelo visto, sou uma das poucas pessoas finas, elegantes e sinceras que sobraram. É isso?

Aahaha… aí é que está! Do kitsch ninguém escapa, amiguinhos. Já dizia o ótimo Milan Kundera, em seu inspirador livro A insustentável leveza do ser: “Nenhum de nós é sobre-humano a ponto de poder escapar completamente ao kitsch. Por maior que seja o nosso desprezo por ele, o kitsch faz parte da condição humana”.

Aí só me resta confessar que sim, tenho vários casacos com golas de pele falsa (jamais usaria pele verdadeira mesmo que tivesse dinheiro); também não tenho uma única jóia em casa, o que significa dizer que tudo que brilha nos meus brincos e anéis é fake. Isso sem falar das estantes atulhadas de livros, onde não tem mais um lugarzinho nem para um folheto mínimo. É ou não é kitsch “no úrtimo”?

Então, já que ninguém pode escapar, só nos resta relaxar, aproveitar bem o natal e se esbaldar sem medo de ser feliz, seja com neve de algodão ou de verdade. Cada um escolhe o tamanho e o peso do seu kitsch de estimação que quer levar para a vida, mas convém não abusar. Que tal começar o ano avaliando quanto lixo a gente está produzindo com essa mania, especialmente com o princípio da acumulação?

Nosso planetinha, esse sim, chique no último, agradece…

autora: Lígia Fascioni
fonte: Acontecendo Aqui

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