Desde a faculdade, há uma certa ‘hipnose’ coletiva. Se perguntarem “quem quer trabalhar na MTV?”, noventa por cento dos alunos levantam a mão. De repente, design “de verdade” é só a produção de vinhetas artísticas e material experimental…
Nesse cenário, é óbvio que quase ninguém pode ganhar. Apenas uns poucos têm realmente a habilidade de produzir vinhetas televisivas. Desses poucos, só alguns, que dão para contar nos dedos, vão realmente conseguir a oportunidade e se dedicar a esse trabalho durante um bom período de suas vidas. E o resto, como fica?
O design nasceu da necessidade de mercado, e a ele serve. É natural que siga suas leis. E uma das leis do mercado é a busca da exclusividade. E que muitos procurem estar nesse ‘mercado de luxo’ e poucos consigam. Um mercado de sonhos, para aqueles que dão rosto aos sonhos de muitos…
Do outro lado, vemos milhares de empresas “carentes de design”. Negócios que poderiam avançar pela simples adoção de algumas ‘atitudes de design’ (digo atitudes de design, e não apenas design, pois elas vêm antes do design em si). Mas que a princípio não têm verba, não sentem ou não sabem da necessidade de prever verba para esse tipo de comunicação.
Entre os dois, há um enorme mercado médio, uma ‘zona cinza’ do design. São empresas que precisam de peças de comunicação, já são clientes de agências de design, mas não têm o design como principal estratégia.
É obvio que a descrição acima é apenas uma aproximação. O mercado é vasto, há milhões de empresas, nos mais diversos segmentos, com suas demandas e necessidades específicas. Diversas culturas diferentes (geográficas e internas, como tipo e estilo de gerenciamento, por exemplo) e níveis de organização e desenvolvimento diferentes, também. Ninguém gosta de observar, mas existem empresas desde as mais bagunçadas, até aquelas com padrão de organização e eficiência internacionais…
Acredito que o equívoco está em usar a mesma abordagem para todas elas. E tentar alcançar os mesmos resultados, seguindo um código do que seria um ‘bom’ e ‘mau’ design, mesmo com orçamentos e realidades totalmente disparatados. É óbvio que não dá certo, e na maioria dos casos, isso resulta num autêntico ‘trabalho de sobrinho’, quando se tenta atingir um determinado resultado sem condições financeiras e técnicas para tal…
Em outros, casos, só se percebe o erro após o trabalho concluído. Ou a desculpa é aquelas velhas “exigências do cliente”. Ele quer porque quer, aquela animação em 3D super complexa no seu site, mesmo não tendo orçamento para contratar a equipe ou o profissional adequado para fazer – então lá vai o designer multi–uso fazer a peça, mesmo sabendo que o resultado acabará, quando muito, para lá de mediano.
Nesses casos, a maioria dos profissionais apenas ‘engaveta o trabalho’ e segue em frente. Em busca de um cliente melhor, que ‘coopere’, para que ele possa criar alguma peça digna de portfólio.
Mas… a finalidade principal não era resolver o problema do cliente..?
Será que a peça mediana vai gerar o efeito desejado?
Em outros casos, o resultado final me lembra a última aula de um curso de decoração que eu fiz. O professor recomendou que os alunos fotografassem a sala decorada por eles, exatamente após a terem terminado. Evitando assim fotografar depois que os moradores bagunçassem tudo, vivendo suas vidas reais ali dentro!
Como o caso do redesign de um grande portal. Resultado estético primoroso, estudos aprofundados, efeitos dinâmicos de última geração. Mas que ficou incólume no ar somente por alguns dias. Logo o menu dinâmico de última geração caiu. Demora no carregamento, incompatibilidade com browsers antigos, dificuldade de manutenção…. Alguns meses depois, o portal, bastante desconstruído, em nada lembrava o visual estupendo da ocasião do lançamento. Provavelmente não havia pessoal gabaritado para dar continuidade ao padrão visual projetado. Culpa do cliente..? Ora, na hora da criação, os projetistas não deveriam ter pensado nisso? Se sim, quem deveria ter pensado? O designer? O diretor de arte? O atendimento? O diretor de projetos…?
E os concursos de propaganda? Com a maioria das peças inscritas criadas a partir de briefings fantasmas, mas com uma arte maravilhosa que o cliente nunca solicitou? E que ainda por cima, nunca funcionariam na vida real? E que, por isso mesmo, só vão ao ar, por exigências do concurso, em algum horário das 3 às 5 da manhã? Se elas ganham prêmios e são admiradas, o que nós estamos admirando..?
Afinal, o que estamos buscando?
A questão é bem ampla, atinge o próprio paradigma do nosso fazer profissional, aquilo que as pessoas acreditam sobre ‘como as coisas devem acontecer’.
Em alguns casos, como visto, projeta–se segundo condições ideais e maravilhosas, e não de acordo com a vida real.
Talvez a própria disciplina do design se mostre insuficiente para atender todas as múltiplas configurações de necessidades. Como já foi dito, o design nasceu sob uma ótica e um conjunto de necessidades particular, em relação a determinado mercado crescente, em determinada época da história. E vem evoluindo, nesse caminho estreito e unidirecional, até hoje. (Esse é um capítulo à parte. Uma boa síntese dessa saga pode ser achada no livro “Utopia e Disciplina” do André Villas–Boas)
O problema do cliente está no design?
Conheci uma agência que se dedicava a aceitar trabalhos ‘baratinhos’, aqueles pequenos serviços para clientes também pequenos. A agência tinha um apuro técnico admirável. Apesar da apresentação dos sites seguirem o esquema “uma–folha–de–rosto–e–paginas–de–dentro–iguais”, o sistema interno era digno de nota. Um programa gerenciamento de conteúdo criado por eles mesmos, cheio de recursos, fácil de usar e barato para implementar. Tudo ia bem, até que um dia, um perfil de clientes novos começou a aportar.
De repente, os clientes–que–cresceram–muito–mas–não–sabiam–que–cresceram, começaram a chegar. Rede de emissoras de rádio, cadeia de farmácias populares, entidades de classe aportaram em levas. Sinais de que a empresa atingia novos níveis de maturidade em relação ao mercado?
A maioria desses clientes nunca havia formalmente ouvido falar em design, internet, ou nem sequer o presidente já havia aberto um e–mail sozinho na vida. Pedia para a secretária abrir e imprimir para poder ler no final do dia… Exatamente como fazia há décadas, com as correspondências de papel.
Em comum, todas elas queriam pegar de novo o ‘bonde da história’, e entrar para a era da internet. Comunicar com seu público de um novo jeito – que eles mesmos só faziam uma vaga idéia. Após um tempo se sentindo intimidados por outras agências grandes – na verdade, pelo nível de preço que eles não estavam acostumados, mas também pelo linguajar técnico muito sofisticado e o visual rebuscado – resolveram procurar uma agência menor, do tamanho deles, segundo acreditavam.
Ainda tinham o costume de pensar em si mesmos como pequenos. Entretanto, por exemplo, uma rede de drogarias com uma centena de unidades, que abrange mais de um estado, não tem nada de pequena. O caso é que seu dono era um empreendedor que havia começado praticamente do zero; a cada drogaria adquirida, ele costumava pensar nela isoladamente, como se fosse a primeira…
Entretanto… um mundo de possibilidades! Imagine o que não daria para fazer… sistema de compras, notícias, canal de relacionamento… só para citar as idéias mais óbvias. Clientes nada inexpressivos em termos de faturamento. Oportunidades. Na hora de fazer negócio, acabaram sendo tratados como clientes pequenos comuns. Apenas o esquema de site institucional, folha de rosto e internas, e só.
O que pensar? Medo de assustar e perder o cliente (um pássaro só na mão…), cultura da empresa (quem aperta focinho de porco, um dia, quando encontra uma tomada…), falta de planejamento (vender o almoço pra comprar o café da manhã…).
Além daquela velha questão da visão unilateral que ainda acomete muitas empresas. De um lado, temos as empresas tecnológicas (como no caso acima), pra quem um site é uma obra de tecnologia que por acaso recebe um design por cima (algo como uma cereja em cima do sundae).
Do outro, vem o pessoal criativo, que jura que um site é muito design (irado), com um sistema rodando por trás. E no meio, o pessoal do marketing e humanidades, dizendo que um site é uma ferramenta de relações humanas, com um design e um aparato tecnológico como suporte.
De fato, o design pode ser considerado a cereja do bolo, no sentido de que muitas coisas precisam vir e amadurecer antes dele chegar. Como criar um logotipo para alguém ou uma empresa que não tem foco, por exemplo? Um logotipo é a representação gráfica da personalidade de uma empresa. Se esta não sabe ainda quem ela é, o que vai ser representado então? Por incrível que pareça, esse é um caso bastante comum. Geralmente é respondido com alguma ‘firula visual’ à guisa de logotipo.
Estou com a publicação “Design gráfico caso a caso: como o designer faz design” da ADG em minhas mãos (edição de março de 2000). Logo nas primeiras páginas, encontro a definição: “Design gráfico é um belo desenho, com um sentido e uma tarefa a cumprir”. Absolutamente correto.
E o que fazer quando o problema do cliente não é absolutamente, ou não é apenas um problema de design gráfico? Como dirigi–lo? Como mostrar isso a ele? Em uma grande quantidade de casos, isso não é discutido com o cliente, e a peça de comunicação acaba sendo entregue, mesmo se sabendo que ela, sozinha, poderá não alcançar os efeitos desejados…
Briefing incompleto
Para comunicar, precisamos saber quem estamos atingindo. Isso é básico. Mas muitas vezes, ao perguntar qual é o público–alvo do cliente, vamos receber a resposta: “não sei”. Quais suas estratégias de comunicação? “Não temos”. O que vocês esperam com a nova peça de comunicação? “Ah… simplesmente ter um site, um folder, um banner, um folheto, etc.”
A disciplina para a criação do design é realmente árdua, cheia de idas e vindas, pesquisas e verificações. E nem todos os clientes estão preparados para ela. Em termos financeiros, de tempo, ou até de organização suficiente para responder às demandas desta disciplina. Muitas vezes isso exige um longo tempo de maturação e aculturação para se adquirir o desenvolvimento necessário para se chegar a essa demanda. Dentro deste paradigma, o outro caminho possível são os famigerados briefings incompletos, que estamos carecas de ver.
Nesse caso entra em ação a também famigerada figura do designer “rápido”, que o atendimento adora, pois com a menor quantidade de informações possível no briefing, ele já entra em ação – mas quase nunca com um resultado memorável…
Está ao nosso alcance pensar em algumas possibilidades. Não acredito que possa apontar todas soluções neste artigo. E nem tenho a pretensão de achar que se trata de algo simples.
Levantar alternativas para o cliente mais chato, o ‘caroço’, que tanto arruma problemas para a equipe de design, talvez seja exatamente a maior oportunidade de negócios.
Comunicação padronizada..? Uma hipótese muito criticada e malvista pelos profissionais de design. Mas ainda não explorada a contento de maneira séria.
No caso dos pequenos, talvez as respostas estejam muito além dos enormes esforços para se produzir material gráfico exclusivo (e nos mesmos moldes da comunicação de elite) para clientes de varejo ? o que só pode gerar um arremedo de linguagem, insatisfatoriamente remunerado e nada eficaz.
Em vez da pressa em vender uma peça de comunicação uma única vez, um planejamento em longo prazo, levando em conta o seu crescimento, mas respeitando o tamanho das pernas do cliente. E assim, indo além do ‘desenho’, resgatar o sentido de ‘projeto’ da palavra design, que andava meio esquecido.
Porque geralmente não vemos a criação de parcerias com outras especialidades, para atacar o problema do cliente como um todo? Talvez seja preciso às vezes ir além do papel ou da tela do monitor, se queremos ajudar realmente.
Soluções criativas podem favorecer o desenvolvimento de nichos ainda pouco explorados de maneira profissional. E dar muito trabalho para toda aquela gente bacana do início do artigo. Vejo um vasto panorama à nossa frente.
autor: Sandro Friedland
fonte: webinsider