Colm Murphy é diretor de estratégia de grupo da Droga5, agência de publicidade de Nova York. O rol de clientes da empresa tem algumas das maiores marcas do mundo: Coca-Cola, Chase, Google e Under Armour. Murphy, que liderou a estratégia de marca da Rolex, Puma e Halls para a JWT New York antes de ir para a Droga5, conversou com a Knowledge@Wharton sobre o processo criativo por trás de uma campanha publicitária bem-sucedida e sobre como conservar o fluxo das novas ideias.
Segue abaixo a versão editada da entrevista.
Knowledge@Wharton: Quando você começa a trabalhar com uma nova marca ou em uma nova campanha, quais as primeiras perguntas que faz? De que tipo de dados você precisa inicialmente?
Colm Murphy: Olhamos para o mundo através de quatro lentes. Chamamos a esse processo de os 4Cs: companhia (ou empresa), categoria, consumidor e cultura. Em cada uma dessas categorias, há quantidades distintas de pesquisas que podemos fazer dependendo do que se tem disponível e das novas perguntas a serem respondidas. Conseguimos muita coisa quando investigamos profundamente o que a empresa representa, qual o seu DNA e o que ela traz na alma, o que a marca realmente representa, não apenas o que ela vende, quais as ambições das pessoas, para onde elas querem que a marca vá. Essa é a primeira parte. A segunda parte é a das categorias ? isto é, tudo o mais que está acontecendo em torno do negócio que abriga a marca. Quanto há de espaço ali? Que outras oportunidades existem? Quais são os clichês e as coisas que você talvez queira evitar? Qual a dinâmica das categorias?
A terceira parte é a do insight do consumidor, que é, provavelmente, aquela com que as pessoas estão mais familiarizadas. No entanto, o que tentamos fazer aqui é nos aprofundar um pouco mais, tentar obter alguma coisa que talvez não tenha sido coberta pela pesquisa normal. Mas, como o consumidor sabe dizer muito bem à empresa onde ele se encontra em um dado momento específico, o que está pensando agora, a quarta categoria é, com frequência, a mais interessante: a categoria cultural. O que está acontecendo na cultura que cerca o tema das suas reflexões? Porque aquilo que está acontecendo ali determina onde o consumidor estará no futuro. Fazemos também muita pesquisa qualitativa, frequentemente com líderes culturais e especialistas que podem nos ajudar a desvendar um pouco para onde as coisas estão caminhando, e não onde elas se encontram neste momento.
Knowledge@Wharton: Um artigo sobre a agência cita um executivo da Coke Zero segundo o qual “a Droga5 não impõe sua marca sobre a marca”. O que isso significa para você?
Murphy: A coerência daquilo que fazemos resulta da influência do que estamos tentando alcançar […] O processo a que eu me referia, os 4Cs, será diferente para cada marca e situação, porque tem diferentes clientes e eles merecem sempre um novo começo. Toda marca deveria ter um ponto de vista exclusivo, um propósito específico e quaisquer outros elementos em sua execução e estilo adequados à sua situação específica. Temos um conjunto de valores que cultivamos, os quais são sempre os mesmos em tudo o que fazemos; portanto, somos sempre guiados pela criatividade, pela estratégia, somos nativos digitais e obcecados pelo que é humano. Trata-se de um conjunto de princípios que sempre se aplicará e que nos permitirá criar o produto certo para o problema que temos em mãos. Contudo, acho que as semelhanças funcionam mais no que diz respeito à filosofia do que à estratégia ou execução de qualquer marca específica.
Knowledge@Wharton: Tradicionalmente, quando você pensa em propaganda, pensa apenas em um comercial ou em um anúncio. Hoje em dia, porém, o que se vê é toda uma campanha. Quando você planeja uma campanha atualmente, como você determina o conteúdo certo para cada plataforma e de que forma planeja sua viralidade?
Murphy: A viralidade é uma coisa que vem como recompensa se você cria uma coisa da qual as pessoas realmente extraem valor. Se alguma coisa gera diversão ou é muito útil, existe a possibilidade de que se torne viral. Contudo, o planejamento é feito para que o produto seja divertido ou útil, não para que seja viral. Isso é uma coisa que vem como benefício se você cria algo que as pessoas realmente querem. Depois da parte referente à estratégia da marca sobre a qual conversávamos quando me referi aos 4Cs, há também um sólido processo de planejamento de comunicação em que analisamos quais tarefas a comunicação deve realizar, quais os canais corretos para a realização dessas tarefas e qual o conteúdo correto a ser veiculado nesses canais? Portanto, é tudo parte de um plano que é muito mais amplo do que qualquer outro item do conteúdo. Basta apertar o botão certo no momento certo.
Knowledge@Wharton: Queria falar um pouco mais detalhadamente sobre uma campanha que na qual você trabalhou recentemente para a Dixie, fabricante de xícaras e pratos. Essa foi uma campanha planejada em torno da mensagem #godarkfordinner, que incentivava as pessoas a fazer suas refeições em família, mas sem consultar o celular. Isso se baseou, em parte, em uma pesquisa segundo a qual a maior parte das pessoas usa o celular ou o tablet quando comem. Como foi que você trabalhou com a marca e o que o fez chegar à conclusão de que essa era a combinação certa para promoção dessa mensagem específica?
Murphy: É muito comum a ideia de que itens descartáveis economizam tempo. Uma coisa que descobrimos quando fazíamos nossa pesquisa é que as pessoas estavam em busca de uma presença mais emocional na hora das refeições. Achamos que o prato era uma ferramenta que podia nos ajudar nesse sentido. Depois de decidir que era isso o que queríamos que a marca comunicasse, foi bastante natural a evolução para uma reflexão sobre os inimigos da presença emocional. O maior deles, conforme a pesquisa nos mostrou, e também outras fontes, é a tecnologia: ela é aquela coisa que fura a bolhinha que você deseja criar em torno dos seus momentos à mesa.
Knowledge@Wharton: Ela cria uma bolha própria.
Murphy: Exatamente, e as pessoas adoram o momento da refeição. A Dixie tem seu lugar nesse momento, portanto é mais do que correto que a marca se posicione no sentido de proteger esse momento.
Knowledge@Wharton: Algumas dessas campanhas, como as que você fez para os biscoitos da Honey Maid, trabalhavam com diferentes tipos de famílias ? famílias não tradicionais e famílias com filhos de casamentos anteriores. Esses comerciais são mais longos, têm mais ou menos a duração de um documentário. Você começa com o conceito e o decompõe em partes menores, que serão então os comerciais, ou você começa com as partes menores e as transforma em algo maior?
Murphy: Pensamos da seguinte forma: “Como queremos que a marca seja conhecida? E qual a maneira certa de contar sua história?” Os exemplos mostram que nos envolvemos com grandes questões culturais, por isso, trazê-las à luz requer um formato mais longo. É algo que tem mais a ver com o jeito certo de narrar a história que queremos contar. Depois disso vem o comercial. Há também um plano de mídia a preencher. Por isso, se for preciso decompor o comercial em fragmentos menores, nós o faremos. No entanto, penso mais em uma coisa de cima para baixo, isto é, “Que história queremos contar? Qual a melhor maneira de fazê-lo? E depois, qual o jeito certo de fazê-lo?”
Knowledge@Wharton: Você lançou recentemente a primeira campanha global da Under Armour em torno do futebol. Quando você trabalha em campanhas globais, até mesmo as palavras mostram as diferenças de cultura. Como você faz para preservar esse equilíbrio?
Murphy: É realmente muito difícil. Quando começamos o trabalho, percebemos quanto da discussão que travamos ? sobre cinema, música, propaganda, qualquer coisa ? depende da nuance e do contexto locais. No entanto, buscamos sempre o fator comum mais elevado que une a todos aqueles com quem você está tentando conversar sobre o assunto. Felizmente, com a campanha, tivemos um público bastante específico de jovens jogadores de futebol. Eles estão unidos pelo esporte. Unidos por uma atitude de força mental necessária ao grupo, para que ele esteja sempre de pé enfrentando incontáveis desafios um depois do outro, que é o que se pode ver no trabalho. Usamos nossa rede global para validar esse espírito. Conversamos com olheiros, técnicos e pessoas envolvidas no ensino de futebol para jovens. Em seguida, testamos a hipótese em diferentes países para ver se ela se aplicava a eles também ? e deu certo, o que foi ótimo.
Knowledge@Wharton: Estamos em uma época em que os millenials estão se tornando o grupo de consumidores dominantes. Atrás deles temos o que as pessoas estão chamando de Geração Z ou Fundadores. À medida que se tornam a maioria entre os consumidores, de que maneira isso muda a forma como você lida com suas campanhas?
Murphy: É verdade que estão unidos por uma faixa etária, mas o que os une de fato é seu interesse ou comportamento. Por exemplo, na campanha da Under Armour, nosso foco eram as crianças de uma certa idade que jogavam futebol, mas o que as unia era o futebol. Sempre observamos, especialmente do ponto de vista dos nossos insights e dos insights da mídia, de que modo o grupo de pessoas sobre quem estamos refletindo se comporta e o que elas estão pensando. Com relação aos grupos a respeito dos quais você me perguntou, há certos comportamentos de marca que estão se tornando mais importantes à medida que o tempo passa, mas não creio que estejam necessariamente delimitados à Geração Z e Y.
Creio que estamos em um contexto em que as pessoas exigem transparência das marcas. A interação que uma marca tem com seu público é tão direta atualmente que há uma expectativa da parte dos clientes, principalmente dos jovens, de que haja um relacionamento honesto com a marca com as quais estão interagindo. Creio que esperam que haja uma linguagem marcada pela honestidade, mas não têm problema em se relacionar com marcas, o que, para mim, talvez seja algo que se aplique mais àquele grupo do que a outros. Há ainda exemplos têm a ver com personalização. Há muito espaço agora, bem como inúmeras ferramentas disponíveis às marcas para a personalização de mensagens. Acho que isso é outra coisa que está se tornando uma expectativa das pessoas. Podem-se fixar padrões fora da publicidade. Padrões, por exemplo, como o tipo de serviço pessoal estabelecido por empresas como a Uber, em que as pessoas usam vários dados pessoais para proporcionar um serviço melhor. Com isso, fixa-se um padrão agora que deverá ser respeitado pelas empresas.
Knowledge@Wharton: Quando você trabalha com uma marca em uma campanha específica, o que faz se a empresa lhe apresenta algo que é o oposto daquilo que você tem a propor a ela? Como se chega a um meio termo?
Murphy: Em geral, queremos trabalhar o mais próximo possível dos nossos clientes e de todos que estejam envolvidos na criação do produto. Não deve haver surpresas. Acho que a interação com o progresso do que quer que seja que você fará deve significar que você, na verdade, está mais próximo do que distante da maioria das decisões. É melhor escolher um caminho e segui-lo adequadamente do que atenuá-lo fazendo concessões. Na verdade, essas são decisões que deveriam ser tomadas juntas mediante subsídios estratégicos e de pesquisas. Por isso, a distância um do outro raramente deve ser de milhões de quilômetros.
Knowledge@Wharton: O que o anima a se levantar de manhã? E o que faz ficar acordado à noite?
Murphy: Na minha opinião, o que há de especial no que estamos fazendo no momento é que estamos realizando o trabalho mais criativo do mundo em contextos cada vez maiores, por isso me sinto realmente animado nesse esforço de tentar manter o mesmo nível de integridade criativa, mas eu o faço na maior escala possível. Com relação ao que me faz ficar acordado à noite, acho que boa parte do que temos de gerir, não apenas em termos de mídia, mas também em termos de mensagem e de público, tem a ver com a simplificação da complexidade, e essa é, para mim, a parte mais difícil do trabalho. Tudo o que fazemos tem a ver com tornar complexo o que é muito simples, por isso acho que isso talvez o que me mantenha acordado à noite.
fonte: Knowledge@Wharton