Comportamento é uma das formas mais eficientes de publicidade. A melhor maneira de ver o seu negócio é de fora. A coisa mais fácil hoje em dia é perder a mão. Por mais que você faça, vai ficar para trás. Se é de provocação que você precisa, nada como ouvir o publicitário Nizan Guanaes, 54 anos, comandante do grupo ABC, que reúne 14 agências de publicidade e de comunicação. Provocação no bom sentido, que incentiva a ação. Guanaes diz que gosta de “barriga no balcão” e, embora reconheça o “tremendo impacto” da tecnologia na publicidade e nas relações humanas, desconfia que as comunidades em rede podem trazer solidão. Para não perder o essencial contato com a realidade, ele diz ter ojeriza a privilégios como elevador privativo e salas VIP. Também viaja com frequência para Nova York e São Francisco, onde o grupo opera a agência Pereira & O’Dell. Membro da Iniciativa Global Clinton, uma organização criada pelo ex-presidente americano Bill Clinton para buscar soluções de grandes problemas mundiais, Guanaes tem apoiado a organização do próximo encontro anual da entidade, no Rio de Janeiro, em 2013.
Você voltou do festival de publicidade de Cannes no ano passado entusiasmado. Por quê?
Passei dez anos sem ir a Cannes porque não queria fazer nada que me dispersasse da construção de nosso grupo. Também por achar que em determinado momento os prêmios estavam ficando muito conservadores: hoje você tem uma quantidade absurda de soluções de marketing que não estão nos comerciais – o que não deve nos levar a reduzir o peso da TV. Eu gosto muito de uma frase do The New York Times: ‘eu não vendo notícia, vendo discernimento’. É nisso que eu acredito. Os grandes órgãos da imprensa vendem o entendimento e o contexto da notícia. Voltar para Cannes após uma década e encontrar um festival abrangente, plural e diversificado foi uma grata surpresa.
Você chegou a afirmar na volta que, apesar de seu sucesso pessoal, estava se sentindo pequeno… É isso mesmo. Há um número tão avassalador de inovações e de conhecimento vindo de todos os lados que por mais que você esteja fazendo hoje, está atrás.
A que um anunciante precisa ficar atento hoje? Se você quer acompanhar o mundo, não fique com sua cabeça só dentro de seu negócio. Como o mundo é cheio de vasos comunicantes, a melhor maneira de ver seu negócio é de fora. Como chairman de um grupo que vai faturar R$ 1 bilhão daqui a um ou dois anos, não posso ficar no dia a dia. Viajo constantemente para a Ásia e para os Estados Unidos em busca de novidades para nosso pessoal e nossos clientes.
O mundo está muito acelerado. A tecnologia está impactando o conteúdo e a sua disseminação. Isso pode desposicionar sua marca. Pode inventar um novo consumidor. Por exemplo: o que vai acontecer entre os cartões de crédito e os celulares? Que indústria vai ganhar como forma de pagamento? O que acontece hoje é que indústrias que eram completamente estanques de uma hora para outra estão virando concorrentes. A tecnologia produz um impacto contundente na publicidade e também um impacto legal em relação aos direitos autorais. Com o encurtamento do número de horas de voo, os avanços na aviação vão trazer impacto na legislação trabalhista. É tudo muito desconcertante. Inovação é buscar coisas que podem ser aprimoradas e reinventadas. Eu estava lendo o livro do Boni e constatei: o que a internet está fazendo hoje é o que a televisão fez ontem. Se você quer saber o que vai acontecer com a internet, leia o Boni. Mas é preciso ter sempre em mente que o mundo não está sendo inventado agora. Fala-se em comunidade em um mundo em rede. Ora, o Rotary Club já era uma rede quando foi fundado [em Chicago, em 1905]. As pessoas em rede estão conectadas. Mas há solidão nesta tecnologia. Eu não acredito nessas coisas que as pessoas ficam decretando: o fim do jornal, o fim das relações físicas.
Quais práticas da publicidade americana ainda não chegaram ao Brasil? Acredito que a famosa Madison Avenue [avenida conhecida por sediar as grandes agências publicitárias de Nova York] está viva em todo lugar. Há partes dela em São Francisco, outras na Finlândia e em Hong Kong. É como se a Madison Avenue tivesse um monte de nomes. A criatividade se espalha pelo mundo, das formas mais variadas. Você pode erguer sua marca construindo um prédio incrível da sede de sua empresa. Pode também fazer redes, relações públicas ou pode dizer: não vou fazer nada, vou ser discreto. Como faz o Safra. O silêncio do [banqueiro Joseph] Safra é um grande anúncio. Comportamento é comunicação. Os melhores comerciais de Steve Jobs, da Apple, eram suas coletivas de imprensa. Você acha que esses grandes estilistas moram naquelas mansões e têm aqueles barcos só porque têm luxo na cabeça? Não é isso. É que seu estilo de vida é um comercial. Você não quer um estilista morando num cubículo. É storytelling: ele te vende um sonho.
O que mantém os Estados Unidos na liderança mundial são as universidades. O mundo hoje é Harvard Avenue, Stanford Avenue, Yale Avenue, MIT Avenue, os grandes centros do conhecimento que produzem um grande impacto. Numa época, Madison Avenue era intuição, depois se tornou mais cartesiana. Agora é misturado: alta tecnologia e intuição. Qual a definição de Jobs sobre si? É quando um homem de ciências exatas encontra um de humanas. Essa é a grande ruptura de nosso tempo.
Por que as empresas são retardatárias para tirar partido de novidades tecnológicas como as redes sociais? A empresa acaba virando um eco. Sabe aquele negócio que você está ouvindo mas já passou? Muitas das pessoas do mundo corporativo não têm tempo. As empresas se tornaram tão grandes que as pessoas muitas vezes perdem mais tempo fazendo diplomacia corporativa do que falando com o consumidor. Como todo bicho grande, as empresas estão voltadas para dentro, a tal ponto que as pessoas não conseguem enxergar o óbvio. Odeio tudo que é VIP. Não me chamem para ficar trancado em sala VIP. Odeio elevador privativo e toda forma de falta de contato com as pessoas. Você perde o fio terra. Pelo fato de ter dois filhos adolescentes, tenho muitos insights. Você tem de experimentar tudo, ter seu Facebook, o Instagram. Sabe qual a coisa mais fácil hoje em dia? É perder a mão. Você está enjaulado em seu carro blindado, na sua casa murada, no seu sítio distante e no seu escritório. Por isso gosto de continuar escrevendo e criando.
Como as empresas devem lidar com as redes sociais? Elas são o call center a céu aberto. São as marcas discutindo a relação com os consumidores. A empresa precisa ter capacidade de resposta e de entender o que é e o que não é relevante. Não dá para atender a tudo e a todos por nada. Nem os grandes da internet, como o Google e o Facebook, vão obter satisfação total. Sempre haverá algum crepe. É preciso agir rápido: ouvir, pedir desculpas, ser proativo. Outro ponto a considerar: uma marca não pode hoje dizer que é uma coisa, sendo outra. Ou seja: não pode se posicionar como premium se não for. Como o mundo está transparente, o consumidor vai cobrar aquilo que você diz que é.
Uma recente pesquisa revelou que a maior parte dos consumidores da classe C ainda não se decidiu por quais marcas optará. O que isso significa para as empresas? É uma grande oportunidade, porque as pessoas estão acostumadas a um statu quo estável. É como se houvesse uma grande movimentação tectônica e o que estava posto não vai continuar. Novas marcas e novas agências irão surgir. Haverá novas formas de se consumir propaganda e de se comunicar, e as marcas que querem continuar a ser líderes terão de se debruçar sobre um novo olhar, porque isso propicia novos entrantes. É claro que a comunicação com milhões se dá com a força fantástica da TV. Mas não dá para falar com certos grupos no estilo “extra large”. Além da geografia física é preciso considerar a geografia humana. Você não pode achar que baianos e pernambucanos são as mesmas pessoas. É preciso o entendimento daquela diferença de 1% entre eles. Quer ver uma coisa? O consumo de uísque no Nordeste é fenomenal, o que representa um paradoxo diante do clima. Na Amazônia, casa de campo é barco.
autor: Nelson Blecher
fotos: Renato Parada
fonte:http://epocanegocios.globo.com