Era uma vez um jornal americano que começara a circular em 1851. Fundado por Henry Jarvis Raymond e George Jones, rapidamente espalhou-se para outros países, tomou corpo, ganhou credibilidade e hoje é tido como o mais influente do mundo. Mas isso não foi suficiente para que o New York Times se acomodasse. Atento à era tecnológica, é do tradicional impresso americano o passo que levanta a discussão sobre o novo modelo rumo ao futuro – e sobrevivência – do jornalismo em tempos digitais. (Participe de enquete sobre o tema)
Em janeiro deste ano, o NYT avisou que vai fechar o acesso gratuito ao conteúdo noticioso na internet. Para ler, só mediante pagamento de assinatura de US$ 20 mensais. De acordo com os porta-vozes, foi a saída encontrada para cobrir um buraco criado pela falta de anunciantes no site do diário, já que nem só de propaganda o bom jornalismo consegue viver. Então, cobrar ou não cobrar do leitor final? Esse é o dilema que chegou à indústria e promete ser pauta para muitas conversas.
A discussão é dividida essencialmente em dois polos. De um lado a aliança de Rupert Murdoch, dono da News Corp, e o NYT, cujos argumentos são de que fazer jornalismo com qualidade dá trabalho e custa caro, e de outro o Google e reprodutores de notícias, que sustentam a contrariedade à cobrança com base na circulação da informação livre e totalmente aberta.
Editor-chefe de conteúdos digitais do Grupo Estado, Pedro Doria é enfático. “É preciso dinheiro para manter uma boa redação. Para fazer um bom jornalismo, tem que ter alguém integralmente dedicado. Não dá pra ser dentista das 9h às 17h e jornalista depois disso”, brinca. “Portanto, temos que produzir dinheiro para nos bancar”, afirma. Segundo Doria, 90% do conteúdo informativo que circula na internet vêm de produção de grandes grupos de comunicação, daí a necessidade de reconhecer financeiramente a produção.
Futuro indefinido
Sobretudo, Doria fala que o momento é de incerteza, tanto para o mercado lá fora quanto para o grupo onde trabalha. “Nosso futuro é indefinido porque o futuro da imprensa é indefinido”. Apesar disso, tudo indica que o Estadão não vai cobrar pelo conteúdo disponível no site do jornal. Porém, o jornalismo feito originalmente para o impresso já tem acesso fechado na plataforma digital, assim como será com a versão para iPad que em breve será taxada.
A posição é ratificada por João Rosas, diretor-executivo de Marketing e Mercado Leitor do Grupo Estado. “Cobramos porque é um princípio de respeito com o leitor do impresso e o conteúdo é de qualidade”, explica. “Não vamos cobrar na internet”. Rosas concorda que o ganho com publicidade não é suficiente para pagar a redação, embora represente a maioria do faturamento do grupo: 65% vêm de propaganda e o restante de assinatura.
Entre todos os modelos de negócio que despontam, o do NYT é aquele que Pedro Doria considera ser “o mais inteligente”. Segundo ele, o site do jornal tende a sofrer impacto pequeno com a queda de audiência e ainda vai levantar receita junto aos leitores. É desse desafio que nasce a lição de como sobreviver deste misto já que, na visão intuitiva dele, esta deve ser a saída para os próximos passos do jornalismo. “Vamos descobrir agora com o NYT o resultado de tudo isso”.
O Globo e o Zero Hora concordam
Expectativa semelhante paira sobre o jornal O Globo. “É uma iniciativa que os grandes têm que fazer. No entanto, é difícil fazer isso no Brasil pois, no primeiro momento, iríamos sofrer”, observa Thiago Bispo, gerente Comercial do Digital O Globo. Ele acredita que à medida que o modelo de cobrança vingue nos EUA deverá servir de referência para a indústria mundo afora.
Marta Gleich, diretora de Internet do Grupo RBS, dono do jornal Zero Hora, concorda que apenas a publicidade não fecha a conta. No caso brasileiro, aponta, há tendência de que a reprodução do conteúdo do impresso seja cobrada. “Existe um certo consenso no Brasil de que essa parte deve ser cobrada. Praticamente todas as grandes publicações estão cobrando pela parte impressa. Acho que esse é um movimento que acontecerá muito forte nos tablets”, prevê. Assim como fará o Estadão, o jornal sulista cobrará pelo conteúdo disponível na plataforma da Apple.
Independente da plataforma, Marta ressalta a importância da credibilidade do veículo em questão. “O consumidor compra o jornal porque sabe que ele é fonte de credibilidade. Então não interessa se a leitura é feita no papel, na internet ou no tablet. Acho que nós vamos encontrar o modelo de negócio com todas as plataformas unidas”. Entretanto, historicamente, o leitor brasileiro não tem perfil de financiador, lembra Doria.
Ele cita exemplos de sites internacionais que pedem doações aos leitores para bancar os custos com a produção jornalística, prática incomum por aqui. O TPM é um deles. “É um blog com oito jornalistas que fazem uma cobertura política excepcional, e pedem doações. No Brasil ninguém conseguiu fazer isso ainda”, analisa. Embora considere possível que aconteça no mercado brasileiro, atribui a falta de financiamento ao fato de o país ser uma democracia jovem. Ele acredita que geralmente a contribuição aparece em sistemas democráticos mais antigos, nos quais a população enxergam o bom jornalismo como “gesto de cidadania”.
Quanto mais anunciante, mais liberdade
Por fora da questão comercial, o âmbito da atividade jornalística traz novos cenários para a discussão. Pedro Doria levanta o cerce do assunto. “Como jornalistas, devemos nos preocupar em como produzir jornalismo de qualidade, como manter a sociedade informada independente da discussão”. Por isso ele defende a necessidade de variação de anunciantes, o que dá mais liberdade editorial aos veículos. “As fontes de renda devem ser mais fragmentadas. Se tenho 2 anunciantes, sou mais suscetível à pressão. Se um deles ameaçar tirar a verba, deixa de ter dinheiro para pagar as contas”, diz.
autor: Marcelo Gripa
fonte: http://www.adnews.com.br