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Globo muda programação para atender a nova classe C

No embalo do crescimento econômico recente do País e das projeções otimistas para os próximos anos, a Rede Globo aprofundou um processo de modificações em sua programação para atender a uma nova clientela: a emergente classe C.

As mudanças afetam as áreas de novelas, os programas de humor e o jornalismo. E objetivam deixar a programação mais popular. A nova classe C, na visão da emissora, quer se ver retratada nas telas.

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Diferentes pesquisas têm sido encomendadas pela emissora para tentar entender as mudanças ocorridas no perfil socioeconômico da população. “São pesquisas para nossa reflexão interna, para orientar a área de criação e de jornalismo”, conta Octavio Floribal, diretor-geral da Globo.

O diretor geral da Rede Globo, Octávio Florisbal

O executivo observa que as classes C, D e E continuam formando 80% do total da população, mas a mobilidade social ocorrida em função do crescimento da renda e do emprego alterou as características deste universo. “Estes 80% das classes C, D e E têm uma vida própria, com características próprias. Nós precisamos atendê-los”, diz Florisbal.

Na Globo desde 1982, o executivo foi diretor de marketing e superintendente comercial até assumir, em 2002, a direção-geral da emissora em substituição a Marluce Dias. Paulistano, 71 anos, mora há décadas no Rio de Janeiro, mas mantém um escritório na sede da emissora em São Paulo, onde recebeu o UOL na última sexta-feira (06). Abaixo, trechos da entrevista:

MUDANÇA DE COMPORTAMENTO

No passado, a classe C seguia muito os padrões das classes A e B. Ela morava na periferia de São Paulo e do Rio e tinha a aspiração de vir para um bairro de classe média, queria ter mais ou menos as mesmas coisas que uma família de classe média. Eram seguidores.

Houve uma mudança de comportamento e de valores para estas pessoas. Acabamos de fazer uma pesquisa muito interessante de classe C que mostra isso. Há aquelas pessoas que migraram da classe D para a classe C e estão vivenciando um novo momento. Estão muito felizes, mas têm muito receio de voltar, de perder o que conquistaram. Estão investindo nos filhos, para que eles dêem um novo salto.

Há outros, a maioria, que estão muito felizes com a posição que ascenderam, mas não querem mudar. O camarada mora no Tatuapé, mas não quer vir morar nos Jardins. Quer morar lá, quer ser reconhecido pela comunidade dele, ele tem os valores e hábitos dele. Ele não quer se vestir como se veste o pessoal daqui.

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NOVO FOCO

Isso também muda os hábitos de consumo de mídia. No passado, você não tinha que se preocupar tanto. “Estou fazendo uma televisão para todos, mas com foco em classe média”. Hoje, não. Atenção. Eu tenho que fazer para todos. Aquela divisão de que 80% do público é das classes C, D e E continua, mas eles têm mais presença, mais opinião. Eles ascenderam. Têm um jeito próprio de ser.

Você tem que atendê-los melhor. Eles têm que estar mais bem representados e identificados na dramaturgia, no jornalismo. Antes, você fazia uma coisa mais geral. Hoje, não. A gente tem que ir, principalmente nos telejornais locais, ao encontro deles. Eles têm que ver a sua realidade retratada nos telejornais. Eles querem ter uma linguagem mais simples, para entender melhor.

NOVELAS NOVAS

Em dramaturgia, se você voltar 20 anos, você tinha alguns estereótipos. A novela estava centrada nos Jardins, em São Paulo, ou na zona sul do Rio e tinha um núcleo, aquele núcleo alegre, de classe C, na periferia. Hoje, não. A gente começa a ver essas histórias trafegando mais na periferia. A próxima novela, do Aguinaldo Silva, “Fina Estampa”, vai se passar na periferia. A novela que virá depois, do João Emanoel Carneiro, vai ser centrada na Baixada Fluminense. Então, você vê este tipo de preocupação.

“Tapas e Beijos”, escrito pelo Claudio Paiva, é uma situação clara para você atender classe média, classe média baixa. São duas balconistas de uma loja de noivas, que você encontra aqui, na rua São Caetano, ou na avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma coisa popular. É uma outra pegada. Por quê? Porque é isso que eles querem.

Fernanda Torres, como Fátima, e Andréa Beltrão, como Sueli (à dir.), em cena do seriado da Rede Globo "Tapas & Beijos"

A Patrícia Kogut (“O Globo”) fez uma crônica sobre “Insensato Coração” muito interessante sobre os personagens Raul (Antonio Fagundes) e Heidi (Rosi Campos). É quase uma ação de responsabilidade social. Ambas são pessoas simples, batalhadoras, mas que têm valores muito fortes. E eles tentam passar isso para os filhos o tempo todo. Você tende a ficar um pouco mais popular, sim, mas sem perder qualidade.

NOVOS PROJETOS NO JORNALISMO

No jornalismo é a mesma coisa. Tanto em São Paulo quanto no Rio estamos procurando nos telejornais locais fazer uma coisa mais coloquial, uma linguagem mais familiar, mais informal, no jeito de colocar e de se vestir. Não é só um apresentador, são vários. Tem a redação móvel, que vai nas periferias e faz de lá. Nos telejornais nacionais você também tem que cuidar bem para não colocar em excesso certos temas que não atendem tanto.

E agora nós instituímos “os parceiros do jornalismo”. Nas comunidades que a gente elege, há um representante selecionado para ser nosso repórter lá. Ela recebe uma camerazinha simples e retrata o dia a dia lá. Um incêndio, um buraco na rua. Se a matéria é selecionada, entra no telejornal local. No Rio, são oito duplas, em oito comunidades diferentes. Em São Paulo, deve chegar no começo do segundo semestre.

AUDIÊNCIA EM QUEDA AOS SÁBADOS

Veja um dado interessante que retrata a ascensão desta classe popular. Antes, como eles tinham menos renda, o único meio de entretenimento deles era a televisão. Hoje, nos fins de semana, eles saem mais de casa. De segunda a quinta, às 21hs, que é o pico, o total de TVs ligadas está em 68%. No sábado, isso cai para 52%. É um monte de gente que desligou. Por que desligou? Porque saiu de casa. Essa queda sempre houve, mas está mais acentuada. Porque as pessoas estão com mais dinheiro para sair de casa.

A gente tem que fazer televisão para todos. O “Jornal Nacional” é bastante abrangente, mas se você vê o “Jornal da Globo”, ele está atendendo mais classe AB e um pouco de C1. Você vai no “Bom Dia Brasil”, idem. Por faixas horárias, você pode fazer mais isso. Você tem que ter um balanceamento para não perder classe AB.

Esta discussão está presente na Rede Globo. E todos nós estamos, de uma maneira geral, aprendendo. Todas as redes de TV, os outros meios.

TELEVISÃO VERSUS INTERNET

Temos na Globo um conjunto de grupos, por temas, que a gente considera estratégicos. Essa semana, um dos grupos que se apresentou, justamente, trata de TV digital. Novas oportunidades nesta área.

Há uma oferta crescente de oportunidades de você ver vídeo de diferentes maneiras. No táxi, no ônibus, no metrô, no avião, no celular, tablets. Estas experiências novas são, realmente, desafios.

Para tranquilidade da gente, para não ficarmos muito assustados, nos Estados Unidos, a Nielsen tem um painel chamado de “Três Telas”, com uma amostra de quem assiste televisão na TV, no computador e no celular. Apesar de toda a oferta, consumo de televisão por família é de 35 horas por semana “real time” mais três horas gravado. Vídeos na internet dão menos de meia hora por semana. E vídeos no celular dão seis minutos.

Apesar desta grande quantidade de opções, o grosso, 90% ou mais, ainda está na televisão. Quanto tempo esta concentração vai durar, não sei. Vai depender muito da nossa capacidade de ter conteúdos atraentes. No Brasil esses números são muito parecidos. Aqui temos uma média de 39 horas por semana. E vídeos na internet dão vinte e poucos minutos. Não medimos ainda celular.

AUDIÊNCIA EM QUEDA

A média histórica de aparelhos ligados no Brasil, das 7h à 0h, é de 40% a 45%. Isso é permanente, não muda. Em 2010, foi de 43%. Há 30 anos, esses 44% correspondiam praticamente só à TV aberta. Com a introdução das novas mídias, isso mudou. Há 20 anos, havia 1 milhão de domicílios com TV paga, que não era nada. Hoje são 10 milhões. No passado, TV paga, que a gente chama de “outros canais”, representava 1% dos aparelhos ligados, hoje é 6%. O que a gente chama de “outros aparelhos”, VHS, videogame, DVD, Blu-Ray, antigamente não existia, hoje representa 3%.

Aqueles 44% continuam. Mas o que era só da TV aberta, hoje não é mais. A TV aberta tem 35%, e tem 8% ou 9% que é uma composição de “outros canais” e “outros aparelhos”. De fato, hoje tem uma disputa que não havia. A TV aberta perdeu um pouco de participação para “outros canais” e “outros aparelhos”. Isso é inquestionável.

Dentro das redes, na TV aberta, a Globo tinha 21% em 1997, hoje ela tem 17%, 18%. Antes, SBT e Record, somados, davam 13%. Hoje, somados, dão os mesmos 13%. Tivemos uma pequena perda. Mas o que nós perdemos não foi para eles. Eles mantiveram, não conquistaram da gente, nós perdemos alguma coisa para “outros canais” e “outros aparelhos”.

Excluindo China e Índia, o Brasil é o país de maior audiência de TV aberta. No conjunto, no mundo, a audiência de TV aberta tem se mantido. Ela tem uma tendência, pequena, de queda nos países desenvolvidos, mas os BRICs (Brasil, Rússia, India e China) compensam.

Na soma global, a audiência de TV aberta está até subindo. Segundo um estudo da Deloitte, em termos de verba publicitária, em 2008, o investimento total em TV (aberta e fechada) representou 38% do total. Este ano vai ser 41% e ano que vem 42%. Está crescendo. Internet daqui a algum tempo será a segunda mídia. Hoje ainda é jornal e revista.

A CONCORRÊNCIA DA RECORD

No passado, nosso concorrente era o SBT. O Washington Olivetto, muito criativo, criou aquele slogan: “Líder absoluto da vice-liderança”. Era um tipo de postura. A Record tem uma postura mais agressiva: “A caminho da liderança”. É interessante porque, ao mesmo tempo em que pode incomodar, é um grande desafio. É uma maneira de ficar mais atento, mais acordado.

É uma postura que te obriga a estar mais atento. Você é mais desafiado. A disputa pelo telespectador é absolutamente democrática. Com o controle remoto, a pessoa muda, não paga nada por isso, ela fica mais aqui ou menos ali se a emissora atende melhor ou não. É uma luta permanente, de minuto a minuto. Não é como em outros setores. Você troca de automóvel a cada dois anos.

Hoje há mais disputa. A Record tem mais recursos financeiros para brigar por audiência do que tinha o SBT.

Nunca nos acomodamos. É uma preocupação permanente. Batalhamos todos os dias. Um ponto de audiência é muita coisa. Um ponto de audiência, nacional, num total de 55 milhões de domicílios, são 550 mil domicílios, 1 milhão de pessoas. Um por cento da verba publicitária de TV, de um total de R$ 16 bilhões, é R$ 160 milhões. Um por cento é muita coisa. Tem que batalhar muito.

O movimento da audiência nestes anos todos pode ter sido pequeno, mas não em quantidade de pessoas. A população cresceu, o número de aparelhos por lar cresceu. Hoje, 10% de audiência atinge muito mais pessoas do que 10% há 30 anos. Quando você olha para o anunciante, ele tem interesse pela audiência, é claro, mas também pelo total de pessoas. Por isso, a TV aberta continua tendo essa preferência.

FUTURO FAVORÁVEL

A economia nos BRICs tem uma tendência de crescimento muito forte nos próximos anos. Acho que o Brasil está numa posição muito favorável de crescimento, consolidação. E isso certamente vai arrastar o mercado publicitário brasileiro. Há alguns anos, ele não estava nem entre os dez maiores. Este ano, já vai ser o sexto, ocupando o lugar da França. Mais três ou quatro anos, vai ser o quinto, passando a Inglaterra. Depois, a tarefa é mais inglória: passar Alemanha, Japão, China e Estados Unidos.

Tem uma verba crescente de marketing, publicidade, comunicação que vai irrigar muito todos os meios de comunicação. Vai ter para todo mundo. Nós vamos viver um período muito bom. Temos um modelo brasileiro de publicidade muito interessante, que todos apoiamos.

Entendo que a TV aberta num arco de tempo de dez anos vai continuar como líder. A nossa aposta é que a internet será a segunda maior mídia, em participação, daqui a dez anos. Ela vem crescendo de maneira exponencial. Hoje ela representa 5%. Já passou cinema, outdoor, rádio. Está se aproximando muito de revistas, que é 7%. Jornal aqui é 13%. Com o plano brasileiro de banda larga, com mais renda para as pessoas, a internet tem realmente uma expectativa de crescimento exponencial, como tem tido.

Vai ser muito bom para todos. Quem é que vai prevalecer? Em cada meio, vão prevalecer aqueles que oferecerem melhor conteúdo. No fundo, no futuro, a distribuição vai ser um commodity, vai chegar para todo mundo. O que vai fazer a diferença é o conteúdo, a qualidade do conteúdo, a sua pertinência.

autor: MAURICIO STYCER
fonte: Uol – Televisão

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