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A marca tem de marcar

A desconfiança do consumidor ante o poder das corporações só pode ser vencida com forte compromisso emocional e socialUma idéia que vem ganhando crescente popularidade é a de que o consumismo e as marcas são maus porque as grandes corporações estão controlando o mundo através da globalização. Com ela, a percepção de que as pessoas são impotentes ante corporações desalmadas que rotineiramente abusam do meio ambiente e dos direitos dos cidadãos. Essa filosofia anticonsumista de ressentimento está exposta em um punhado de livros contra as marcas que surgiram nos últimos tempos. Temos testemunhado uma correspondente tendência de retrocesso do consumidor propagada por uma nova geração de ativistas que atacam corporações e marcas, em vez de políticas e governos.

Tudo isso indica, a meu ver, que o todo-poderoso consumidor agora espera um profundo nível de compromisso emocional e de responsabilidade social das corporações e de suas marcas — não se trata, portanto, de um movimento anticonsumista. Na verdade, a maioria dos consumidores sente que as marcas são um elemento essencial em suas vidas: criam empregos, avalizam o nível de qualidade dos produtos e lhes proporcionam certas experiências. As marcas simplificam a vida dos consumidores, ajudando-os a fazer escolhas em um mercado repleto de bens e serviços. O fato é que as pessoas adoram as boas marcas, que as fazem sonhar e se sentir mais seguras. Elas podem trazer alegria, esperança, experiência sensorial e conforto num mundo frio e high tech.

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Uma genuína boa marca pode até mesmo representar as qualidades que buscamos na maioria dos amigos e na família — calor, intimidade e confiança. É claro que, por vezes, as corporações cometem erros terríveis. Mas, com um ilimitado acesso à informação, as pessoas agora podem conhecer a verdade sobre as marcas que apóiam. Elas compreendem seu poder no mercado. Elas estão hoje muito mais atentas para o fato de que há milhares de produtos e serviços para escolher a cada hora que fazem compras. Corporações e marcas, tal como os políticos, são eleitas a cada dia. Os consumidores votam com suas carteiras. Portanto, os executivos precisam estar cientes de que as marcas não pertencem às corporações, mas aos consumidores — principalmente daquelas empresas que ambicionam capturar o coração dos clientes e se tornar autênticas marcas emocionais.

A emoção humana é o oxigênio, a chave do sucesso no mercado. Nem todas as marcas nasceram iguais. O valor da percepção emocional aumentou consideravelmente. Mas, no mundo corporativo, nem todos compreendem o que isso significa. Fica-se discutindo temas como missão da empresa. Isso é percepção corporativa, não o que o consumidor quer ouvir. Mais do que nunca, as empresas devem dar o passo decisivo para estabelecer conexões mais fortes e relacionamentos que identifiquem seus clientes como parceiros. Hoje, a indústria precisa trazer às pessoas os produtos que elas desejam, no momento em que precisem ou queiram, em locais inspiradores e que atendam profundamente às suas necessidades. Bem-vindo ao mundo da criação de marcas emocionais, um coquetel de antropologia, imaginação, experiências sensoriais e uma reação que leva à mudança.

Marcas e democracia * Quando fui morar nos Estados Unidos, a primeira coisa que minhas filhas descobriram é que lá havia uma abundância de canais de televisão. A lição de casa ficou em segundo plano, o que provoca reação em qualquer pai europeu. Uma delas me disse: “Pai, este é um país livre”. Falou isso de maneira patriótica, embalada pela emoção de liberdade. Veja como é poderoso. Você não encontra marcas comerciais fortes em ditaduras. Para que floresçam, é preciso que haja uma sociedade livre, competição de mercado e classe média.

Discute-se missão. Isto é percepção corporativa, não o que o consumidor quer ouvir

Acredito que as marcas são uma evidência de liberdade e progresso. É nesse ponto que se coloca a responsabilidade das marcas com a sociedade. É por isso que o colapso da Enron e o fato de que não se podia mais confiar no sistema tiveram nos Estados Unidos um efeito tão devastador quanto o 11 de setembro, quando o país inteiro entrou numa espiral de ansiedade. Apenas quatro dias depois, a Jet Blue veiculou um anúncio informando que a porta da cabine dos pilotos de suas aeronaves seria reforçada. Essa é a maneira correta de lidar com a questão. Em contraposição, há campanhas como aquelas dos cartões, lembrando que você não deve sair de casa sem eles. Errado. Isso não ajuda as pessoas. Comunica medo. E mensagens de medo reforçam reações de medo.

O que mais me impressiona na maneira como a Shell se comunica é que nunca dá a palavra final. A empresa reconhece que, por vezes, faz coisas erradas. Ouve os problemas relatados por ativistas e diz: “O.k., estamos trabalhando na solução”. Os ativistas respondem: “Acreditamos na sua mensagem, mesmo sem concordar com a sua política”. Existe nos Estados Unidos uma empresa de cosméticos, a MAC, que doa parte de seus lucros a fundos de combate à Aids. No início do ano passado, como os números estavam caindo, a direção da empresa informou que talvez não pudesse manter o compromisso com os fundos. Em três semanas o faturamento começou a crescer novamente. As pessoas ficaram tão apaixonadas pela mensagem que trouxeram a empresa de volta.

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Não há marcas comerciais fortes em ditaduras. É preciso liberdade e competição.

O poder dos consumidores * A primeira e fundamental questão a que uma empresa deve responder é: quem é meu cliente? A segunda: qual a missão da minha marca? A terceira questão é como conectar, por meio da emoção, a marca com o cliente. Na era da sociedade industrial, a decisão estava nas fábricas. Hoje, numa economia comandada pelos consumidores, são eles que escolhem as marcas. O que as empresas precisam desenvolver é uma visão do que separa a empresa da sociedade. É preciso quebrar o muro. A empresa precisa monitorar como variam esses hábitos e essas expectativas em constante mudança.

Em apenas 15 anos, a Dell se tornou a maior marca de PCs do mundo. A GM descobriu que o eBay era o maior distribuidor de carros usados dos Estados Unidos. E, se a Intel não tivesse mudado radicalmente seu conceito, não poderia concorrer com os fabricantes japoneses de chips. O papel das marcas já não se limita aos benefícios funcionais. Num tempo em que a diferenciação entre produtos se tornou mínima, são os benefícios emocionais que estabelecerão os vínculos com os consumidores. É aí que se alcança uma diferenciação significativa, que pode ser decisiva na hora da opção. Uma marca de sabonete aromático, com intangíveis benefícios terapêuticos, chega a ser vendida pelo dobro do preço do item convencional, feito de glicerina. Até 15 anos atrás, as únicas escolhas que se tinha para tomar um café era entrar num bar e engolir um café normal, ou comprar um pacote no supermercado. Surgiu, então, a Starbucks. Ela compreendeu que o ato de tomar café ia além do físico e explorou o conceito da experiência do prazer, desenvolvendo um espaço onde as pessoas poderiam desfrutar dessa experiência.

A marca Brasil * Devido às decisões políticas do atual governo, a marca America, de mais admirada do mundo, passou a ser desrespeitada e a inspirar desconfiança. Mas as marcas comerciais americanas não têm armas, são cidadãs do mundo. E como são afetadas pela polêmica do imperialismo? Acho essa discussão fascinante porque mexe diretamente com o aspecto emocional. Mas os consumidores, com o tempo, começam a distinguir uma coisa da outra. Veja a marca Brasil. Acho que a avalio melhor do que os brasileiros, que precisam trabalhar sua auto-estima. O Brasil tem uma imagem potencial muito boa, associada a beleza, amizade e sensualidade. Mas a única mensagem que se recebe lá fora é sobre a criminalidade. O país não está comunicando como deveria para que as pessoas sejam atraídas e se apaixonem pelo Brasil, como aconteceu comigo.

O poder do design * O design é a expressão mais potente de uma marca. O Fusca, a Gillette, a moda de Issey Miyake e as lojas da Godiva são exemplos de uma longa lista de designs de produtos ou de ambientes que funcionam. São a prova viva de que no fim das contas o design cria emoções, experiências sensoriais e, finalmente, vendas. Sempre acreditei que o design pertenceria, na verdade, ao século 21 — a idade da emoção –, e essa previsão está agora começando a se tornar realidade. O design transmite individualidade e originalidade, que vão contra a sensação de medo, devido à tecnologia, à insegurança das cidades e à modernização. O museu Guggenheim, em Bilbao, tornou-se uma solução arquitetônica tão única que passou a atrair milhões de pessoas, gerando impacto na economia da cidade. As pessoas percebem como o produto e a embalagem comunicam. Exemplos claros são as campanhas da vodca Absolut e dos celulares da Nokia. Veja a Apple. Ninguém precisa contar nenhuma história. O produto fala por si.

Extraído de entrevista a Nelson Blecher, durante visita a São Paulo, a convite do banco ABN Amro Real

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