O lançamento pela Apple do Apple Pay, seu produto de m-commerce [transações comerciais móveis] pode, finalmente, ajudar milhões de consumidores tradicionais a se deslocar em direção à possibilidade de realizar pagamentos por meios móveis. Uma vez que o Apple Pay deixará claro qual a preferência do consumidor na hora de efetuar pagamentos e compartilhar dados, este é um bom momento para as empresas repensarem de que modo segmentam sua clientela digital, observa neste artigo Scott Snyder, presidente da Mobiquity.
Com mais de 1,8 bilhão de usuários de smartphones e cerca de 2 bilhões de pessoas nas mídias móveis do mundo inteiro, os segmentos móveis e sociais estão se tornando os modos dominantes de interação humana, informa o Relatório Mundial de Pesquisas Somos Digitais e Móveis Sociais [We Are Social Digital and Mobile Worldwide Research Report] publicado em janeiro de 2014. Além disso, aparelhos que podem ser vestidos e fazem as vezes de rastreadores de atividades, relógios inteligentes e até mesmo roupas conectadas estão surgindo rapidamente e já contam com mais de 150 milhões de usuários no mundo todo, rastreando tudo — passos, calorias, batidas cardíacas, respiração e até estresse. Essa nova espécie de usuário final sempre conectado e sempre consciente de si mesmo está mudando as regras pelas quais as empresas fazem negócios e procuram atrair seus clientes.
Na semana do dia 20 de outubro, a Apple lançou o Apple Pay, um produto para transações comerciais eletrônicas que permite ao usuário pagar suas compras pelo iPhone. De acordo com uma reportagem do New York Times, ao pressionar um botão o consumidor poderá fazer compras em uma loja dentre milhares de lojas disponíveis. A reportagem acrescenta que embora “grandes empresas de tecnologia e de telecomunicações como Google, Verizon e AT&T tenham tentado durante anos substituir a carteira tradicional pelos aplicativos dos smartphones […] os especialistas em comércio acreditam que o envolvimento da Apple, que ajudou a revolucionar a indústria móvel, poderá ser o impulso de que precisavam os consumidores para efetuar pagamentos por meio digital”.
Um número cada vez maior de usuários ultraconectados agora têm o poder de fazer uma empresa prosperar ou falir de vez. Embora essas novas tecnologias ofereçam oportunidades para a criação de novos modelos de negócios, bem como de fluxo de receitas, a incapacidade de oferecer uma experiência participativa ou um benefício evidente em troca dos dados coletados pode, de um modo igualmente fácil, afundar uma empresa na mediocridade devido a uma impressão negativa do cliente.
Traga a sua persona (BYOP)
No fundo, o usuário digital é um indivíduo que, seja qual for a situação, dela participa com um perfil singular e um conjunto de comportamentos para cada situação. Esse novo mundo digital do tipo “Traga a sua persona” (ou BYOP, isto é, Bring Your Own Persona) requer uma maneira de pensar sobre o consumidor bastante diferente. Acreditava-se que as pessoas tinham comportamentos previsíveis em sua vida pública e privada com base no seu perfil sociodemográfico, permitindo às empresas recorrer à segmentação clássica para interações específicas. Esses modelos não satisfazem mais. Praticamente todas as faixas demográficas têm acesso aos segmentos móvel, social e de produtos que podem ser usados pelo indivíduo. O que distingue os diferentes segmentos de usuários digitais é o know-how que lhes permite usar essas ferramentas e o nível de conforto que têm com os dados que desejam partilhar em vários cenários.
As novas personas digitais podem ser caracterizadas de acordo com duas dimensões importantes: capacidade digital e confiança.
A capacidade digital leva em conta a capacidade do usuário de usar completamente os recursos mais recentes da tecnologia, funções e serviços disponíveis para o aperfeiçoamento da eficácia e da qualidade em geral da vida. Disso fazem parte atividades básicas como aplicativos móveis e de comunicação social, bem como ferramentas mais avançadas como agente de voz, vídeo chat, serviços baseados em locais, pagamentos móveis e aparelhos usáveis.
A confiança requer a disposição do usuário de partilhar dados pessoais e, em alguns casos, abrir mão da privacidade em troca de um benefício concreto. À medida que a tecnologia do “Eu-Quantificado” [Quantified-Self] torna possíveis avanços que permitem capturar todos os aspectos da nossa vida através de smartphones, produtos que podem ser vestidos e mídias sociais, ainda nos debatemos com uma questão fundamental: preferimos a personalização à privacidade? Isso remete, em parte, ao valor que as empresas e seus clientes atribuem a diferentes tipos de dados. Por exemplo, nos primeiros tempos do E-ZPass, muita gente preferiu formar fila diante de uma cabine telefônica para que o governo não soubesse sua localização.
Usando a capacidade e a confiança como impulsionadores cruciais do comportamento digital, mapeamos seis segmentos de usuários digitais (mostrados abaixo) na tentativa de captar os novos modelos de interação que esperamos ver, e estimamos a distribuição pela população em geral de consumidores. Esses segmentos digitais transcendem as fronteiras da indústria tradicional à medida que as pessoas adotam comportamentos em cenários diversos e aplicam, seletivamente, esses mesmos comportamentos em diferentes cenários dependendo do seu nível de confiança e de sofisticação. BYOD — Bring your own device, isto é, traga seu aparelho — não é mais a última novidade. Na nova era digital, o modelo BYOP [Traga sua persona] será de fundamental importância para a otimização das experiências móveis e sociais do consumidor.
Os segmentos de usuários são os seguintes:
Analógicos: Constituído por pessoas que não estão dispostas e/ou são incapazes de usar tecnologias digitais. Talvez tenham sido usuários digitais capazes mas que decidiram “se desconectar” devido à preocupação com a privacidade pessoal ou com o equilíbrio de vida. Na melhor das hipóteses, os analógicos talvez estejam dispostos a molhar os pés nas águas digitais através de pontos de contatos fáceis de usar, como simples quiosques ou sites, antes de seguir em direção a interações mais avançadas, como são os segmentos móveis e sociais.
Ambiciosos: Aqui temos usuários embrionários dos segmentos móveis e sociais ansiosos para aprender o básico, de tal forma que pareçam experientes. Esses indivíduos constituem um grupo cujo envolvimento se dará por meio de colegas de capacidades mais avançadas. No momento em que virem seus amigos fazendo alguma coisa que considerem descolada ou de valor, eles aprenderão o suficiente para, pelo menos, se virar. É o caso dos idosos que conversam com seus netos no Facebook. No momento em que percebem que esse é o lugar onde eles se encontram, farão de tudo para aprender o básico do Facebook (poucos chegam ao estágio de usuários avançados).
Tradicionais: Estes são usuários dispostos a adotar boa parte das soluções digitais que lhes permitam desfrutar de benefícios a curto prazo. Os tradicionais representam a parte intermediária prenhe do mercado, pronta para se deixar levar por comportamentos e resultados bons para eles e para outros. Mostre a eles o valor de cada interação. Isso pode rapidamente fazer dessas pessoas clientes digitais fiéis. Se a equação de valor diminuir (em comparação com as ofertas dos concorrentes), você corre o risco de perdê-las.
Paranoicos: São usuários cautelosos extremamente preocupados com a segurança dos seus dados e que precisam ser persuadidos a acreditar que partilhar os dados é uma coisa positiva. Os paranoicos constituem um grupo potencialmente perigoso, já que podem se tornar agressivos se descobrirem que suas informações pessoais foram comprometidas ou mal utilizadas de algum modo. As empresas que não respeitarem as necessidades de privacidade desse segmento correm o risco de exposição e de ataque públicos.
Camaleões: Este grupo é constituído de usuários experientes que mudam seu comportamento digital e o modo de compartilhar dados para se adequar a cada situação e aos seus interesses pessoais. Assumem posição defensiva em relação aos seus dados quando percebem que o benefício a receber é limitado ou quando o nível de confiança é baixo. Os camaleões se informam a respeito das políticas de privacidade das diferentes marcas e se certificam de que compartilham apenas o que precisam compartilhar. Será preciso que haja uma proposição de valor muito forte ou que os controles de privacidade sejam transparentes para que se envolvam com interações extremamente personalizadas.
Nômades digitais: As pessoas desse segmento querem realmente levar seu perfil digital a qualquer lugar, seja qual for o cenário. Elas estão dispostas a partilhar dados mediante a promessa de um benefício futuro para elas ou para um grupo maior. Os Nômades Digitais esperam, de fato, que você não apenas colete seus dados, mas que os use também para proporcionar ao usuário uma experiência excepcional, além de benefícios significativos para eles e para outros usuários como eles. Se você for capaz disso, eles serão seus maiores defensores. Caso contrário, serão seus maiores críticos.
A distribuição de usuários nesses novos perfis digitais obviamente mudará com o tempo com uma tendência geral em direção à parte superior direita (Nômades) do mapa de segmentação. Contudo, dependendo das mudanças de atitude do consumidor em relação à privacidade, regulação, dinâmica de mercado e o valor percebido proporcionado pelas soluções digitais, isso pode tomar outra direção ou até mesmo dividir uma população de usuários que optará por não participar mais, caso a equação privacidade x benefício não funcione.
À medida que migramos para o modelo BYOP, de que maneira as empresas devem mudar o modo como envolvem sua clientela e direcionam seus produtos e serviços a fim de ganhá-los? As principais atitudes que as empresas e seus líderes devem tomar são as seguintes:
Adote um modelo de segmentação digital do tipo BYOP. As empresas precisam modernizar o modo como se dirigem ao consumidor digital para maximizar valor em cada segmento. Um bom exemplo disso é a estratégia que o eBay adotou para o PayPal, uma relação que apela a vários perfis demográficos com opções de pagamento mais flexíveis.
Seja transparente com os clientes em relação ao uso de dados. Consumidores e empregados estão dispostos a abrir mão de dados em troca de valor. Uma exposição clara e concisa que mostre de que maneira os dados estão sendo usados, e por quê, bem como controles simples que permitam ao usuário participar, ou não, de diferentes níveis de compartilhamento de dados, são fundamentais para que se ganhe a confiança do usuário final.
Desenvolva uma capacidade forte de design centrada no usuário. Não importa se as capacidades são desenvolvidas internamente ou por meio de terceiros, o fato é que as empresas devem adaptar a experiência que o usuário tem com os aplicativos e com as interfaces de Internet de acordo com as necessidades específicas do segmento BYOP. Isso requer raciocínio criativo. Um exemplo é o enfoque comportamental da WellDoc no design de seu aplicativo DiabetesManager, que atende às necessidades tanto do paciente quanto de seu cuidador.
Use o Big Data e a analítica preditiva para impulsionar interações mais personalizadas. O Big Data e a analítica permitirão que você aproveite totalmente a abundância de dados disponíveis dentre a série de novos pontos de contato e transforme isso em interações de alto impacto. Ele permitirá também que você não trate um Nômade Digital como um Paranoico, e vice-versa. O Walmart está começando a personalizar sua experiência de compra online com base na situação e no histórico do usuário.
As empresas que conseguirem reorientar seu marketing e suas campanhas de desenvolvimento do produto em torno dos segmentos e comportamentos dos clientes digitais se beneficiarão do hipercrescimento que os segmentos móveis, sociais e de produtos usáveis estão experimentando. Ao personalizar as interações em conformidade com suas capacidades digitais e atitudes específicas, as empresas bem-sucedidas criarão mais ofertas que apelem aos Ambiciosos, Nômades e Tradicionais. De igual modo, os líderes de mercado estarão cientes da competência limitada e do receio à invasão de privacidade dos Analógicos e Paranoicos, procurando atraí-los com interações claras e transparentes ou por meio de colegas em quem confiam. Alguns, inclusive, descobrirão meios de atrair os Camaleões através de interações digitais que promoverão a confiança e impulsionarão seu comportamento atraindo-os para o segmento dos Nômades no que diz respeito à sua marca. Agora é a hora de adaptar seu negócio às personas digitais de sua base de clientes, para que sua próxima interação aconteça do jeito certo.
fonte: Universia Wharton