Não é novidade para ninguém que as pessoas nunca estiveram expostas a um número tão grande de informação como agora. Também não causa surpresa que esse cenário de abundância de conteúdo tem criado uma mudança de comportamento, de distração extrema, em toda a população. Um estudo feito pela Holbrook School de Upstate New York apontou que os jovens estudantes se comportam como alguém com quatro anos a menos de idade escolar por não conseguirem estabelecer empatia com as outras pessoas.
Mas os impactos da era de abundância de informação vão muito além dos níveis de distração causados pela quantidade de mensagens bombardeadas em nossas vidas diariamente e da falta de empatia. Pela primeira vez, a operação britânica da rede de supermercados Tesco está reduzindo a gama de produtos oferecidos aos consumidores. A medida foi tomada após a constatação de que o excesso de escolhas estava deixando as pessoas distraídas demais, e impedindo que elas completassem as compras.
A internet não só disponibilizou novas oportunidades de negócios, como mudou nossos comportamentos e motivações. Uma das motivações estabelecidas na nossa sociedade, a procura do reconhecimento pessoal que tradicionalmente era medido pelo status econômico, começou a ser contestado pelo número de likes e shares que nossas participações nas redes sociais consigam turbinar. Não é surpreendente a quantidade de conteúdo sendo produzido se levarmos em conta que mais de três bilhões de pessoas têm em mãos um grande microfone que permite a expressão de suas vozes e opiniões para todo o mundo. Passamos a viver não apenas na era da abundância da informação, mas na era do vício da informação e de estarmos constantemente conectados.
Em seu livro Reclaiming Conversation: The Power of Talk in a Digital Age, a socióloga Sherry Turkle observa que SMS, tweets, posts no Facebook, e-mails e snapchats substituíram a comunicação face a face, e que agora as pessoas começam a sentir as consequências. Afirma que a dependência exagerada dos devices diminui o contato entre as pessoas, divide nossa atenção e reduz a capacidade de criar empatia.
Além da ansiedade causada pelo excesso de informação, há um custo igualmente preocupante que é a transformação dos nossos hábitos no trabalho. As constantes interrupções que permitimos, como a mensagem do WhatsApp, o post no Facebook, ou o novo e-mail, causam um imediatismo desenfreado, uma visão míope e diminuem a capacidade de concentrar nossa atenção em projetos que realmente possam fazer a diferença.
Hoje, as pessoas têm muita dificuldade de bloquear parte do dia, por menor que seja, para se entregar a projetos ou iniciativas sem interrupção. Um dos efeitos colaterais da autopromoção nas redes sociais, da vontade do reconhecimento a toda hora, e da necessidade de acompanhar as postagens dos outros, é que perdemos tempo valioso que poderíamos dedicar a iniciativas mais produtivas e, porque não, até mais gratificantes.
Muitos de nós justificamos o comportamento de estar completamente plugados pela necessidade de nos mantermos atualizados e competitivos. Mas a informação não é mais a resposta para os nossos problemas, já que sua quantidade ultrapassou nossa capacidade humana de absorvê-la. Como diz Derek Sivers, fundador da CD Baby, se a informação fosse a resposta, já estaríamos todos bilionários.
Num cenário de crise econômica como o que vivemos hoje, talvez seja um bom momento de rever onde estamos alocando nosso tempo e energia e avaliar usá-los como oportunidade para desenvolvermos uma competência mais tangível: a resiliência, nossa capacidade de encarar e enfrentar dificuldades, de saber encontrar um significado nelas, e de podermos improvisar para resolvê-las.
Em seu recém-publicado Deep Work: Rules for Focused Success in a Distracted World, Cal Newport constata que o deep work, ou a arte de focar em uma demanda importante sem que haja distração, é a grande força da atual economia mundial. Isso demanda que as pessoas aprendam novas habilidades. E em vez de chegar ao final do dia cansadas após responder a inúmeros e-mails, poderiam chegar energizadas pela satisfação de terem se focado resolvendo um problema ou criando um projeto. “Observei que as pessoas mais bem-sucedidas que eu conheço, aquelas que parecem estar sempre criando coisas novas, passam no máximo uma hora por dia respondendo e-mails, e não participam das redes sociais”, diz ele.
Também hoje talvez seja um bom momento para nossas organizações se tornarem mais resilientes, revisando processos internos e comportamentos estabelecidos, que são reflexo da forma como encaramos e entendemos o mundo. É necessário institucionalizar o “ricaulage” que o antropólogo Levi Strauss usou para nomear a engenhosidade das tribos que se empenhavam em achar soluções com os poucos recursos que têm em mão; ou a tal da “sevirologia” que Reinaldo Pamponet, fundador da It’s Noon, cunhou tão bem se referindo à capacidade dos brasileiros de se virarem. Não consigo pensar em condições melhores que as que vivemos atualmente para fazermos esse tipo de alquimia com as nossas equipes e resgatarmos o protagonismo e o fazer acontecer dos nossos profissionais. A UPS é um bom exemplo, aderindo ao mantra “faça o que tiver de fazer para fazer a entrega”, empoderando todos os funcionários a terem autonomia para poderem resolver qualquer problema que possa atrapalhar uma entrega. Isto é possível graças ao fato de a empresa ter uma série de regras muito rigorosas, desde como se abre a porta do caminhão de entregas até onde se colocam as chaves, que possibilitam a descentralização nas tomadas de decisão e a autonomia dos funcionários para fazer acontecer.
Um dos exemplos nesse sentido é o caso do médico judeu austríaco Viktoras Frankl, que descreveu no livro Em Busca de Sentido como encontrou razão para sobreviver ao holocausto. Determinado a conservar a integridade da alma, apesar do sofrimento do corpo, observou que a sanidade era mantida majoritariamente pelos prisioneiros que tinham uma missão de obrigação, seja por meio da religião, ou mesmo pelo amor por alguém que estava fora do campo de refugiados. Ele superou as preocupações diárias refletindo sobre as palestras que daria quando aquele pesadelo terminasse.
Hoje, não há conversa que não inclua a calamitosa situação do País. Ouço muitos usando isso como desculpa ou justificativa para sair do jogo ou, pior ainda, para ficar paralisado, obstruindo o jogo. Parece que uma grande parte da população herdou o gene da vitimização e prefere ficar se lamentando em vez de buscar fazer algo produtivo. Felizmente, há outros que se recusam a ceder a este tipo de discurso, que não estão programados a perguntar- -se “por que eu?”, mas sim “por que não eu?” Precisamos de mais desses à nossa volta, e de reprogramar hábitos, colocando de lado nossa necessidade de reconhecimento social para podermos focar no que verdadeiramente importa e fazer a diferença neste momento. No caso da informação e dos microfones individuais que com tanto prazer e ímpeto acionamos diariamente, menos é mais.
autora: Nathalie Trutmann
fonte: Meio e Mensagem