Todo mundo sabe o que é merchandising: é qualquer técnica, ação ou material promocional usado no ponto de venda que proporcione informação e melhor visibilidade a produtos, marcas ou serviços, com o propósito de motivar e influenciar as decisões de compra dos consumidores. Uma das vertentes desta estratégia é chamada de merchandising editorial ou “Tie-in”, que se assemelha muito ao que hoje é conhecido como product placement, é utilizada em novelas, por exemplo, fazendo-se com que os atores consumam um determinado refrigerante ou utilizem um eletrodoméstico lançado há pouco.
A outra vertente do merchandising, o merchandising de idéias ou opinativo trata sobre temas políticos polêmicos. A ONG Brasil 2000, formada em 1998 foi criada para estimular a privatização do Sistema Telebrás, na época pagou radialistas de todo o país e a conhecidos apresentadores de TV – Hebe Camargo, Ratinho e Ana Maria Braga – para apresentarem os textos elaborados pela agência de publicidade DM9. Os recursos para tanto foram fornecidos naquela época por empresas diretamente interessadas na privatização.
Ratinho recebeu o cachê de R$3.450,00 para dizer, entre outras coisas, o seguinte: “Vou explicar pro povo o que é isso. Por exemplo, você vai numa feira. Só tem uma barraca. Onde é que você vai comprar? Naquela barraca. Não tem concorrência. Então, o povo do Brasil, quando quer telefone, tem de comprar do governo, que é o único que vende. (…) O governo tem que vender mesmo o sistema de telefonia e aplicar na saúde, educação e na segurança.” (Folha de São Paulo de 28.11.98, Ilustrada, pág. 11)
Todos os apresentadores apresentaram falas semelhantes, de forma a parecer que estavam expondo idéias e convicções pessoais. Há algum problema nisso? Sem dúvida alguma: na medida em que o telespectador não foi cientificado de que se tratava pura e simplesmente de propaganda, o que houve foi uma ação concreta de manipulação da opinião pública. Pouco importa a qualidade das opiniões vendidas.
A questão pode ser analisada sob o aspecto do direito do consumidor. Se uma idéia pode ser vendida, ela é um produto, é o que se poderia pensar, daí resultando a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a este caso. Mais especificamente, da regra contida no art. 36, que impõe um dever de informação: o de cientificar o consumidor de que ele está diante de um produto e não da opinião genuína e desinteressada do apresentador. Quanto a isto, a lei é clara: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.” (Código de Defesa do Consumidor, art. 36)
Diferença entre publicidade e propaganda
Não é bem assim, contudo, embora se possa chegar, por outra via, ao mesmo resultado. O CDC faz uma distinção entre publicidade e propaganda, regulamentando apenas a primeira. Por publicidade entende-se a promoção de determinado agente econômico, seja institucional, seja de bem por ele produzido. Isto é, tem uma finalidade comercial. Já a propaganda visa a difusão de idéias ou convicções nos âmbitos político, filosófico, econômico, religioso, ideológico, econômico ou social. A comunicação sob exame enquadra-se nesta última categoria: é propaganda de uma ideologia, e não publicidade.
Haveria algo de errado em um órgão de comunicação fazer mais do que divulgar notícias? De maneira geral, a resposta é negativa. Os editoriais geralmente contêm opiniões do proprietário da empresa sobre economia ou política, vinculadas a uma posição ideológica determinada. O chamado jornalismo opinativo, exercitado com maior ou menor grau de honestidade intelectual, procura igualmente influir na opinião do leitor sobre aspectos variados da vida em sociedade. (Claro que há outras formas, mais sutis, de manipulação da opinião pública, como a seleção das informações que são publicadas, o “arredondamento” das notícias, de forma a retirar-lhes o impacto negativo, e a própria retirada de destaque, pela escolha da seção em que são inseridas, por exemplo.)
Idêntico fenômeno se verifica com o apresentador de programa de televisão ou de rádio. Neste último caso, em especial, a manutenção da audiência depende, em alto grau, da criação de empatia entre o público e o apresentador, baseada predominantemente na confiança. O espectador ou ouvinte, porque confia, identifica-se com e tem como sinceras e razoáveis as opiniões que lhe são transmitidas. Nessas circunstâncias, o espírito fica desarmado – a desconfiança implicaria manter de prontidão o espírito crítico – e receptivo à visão do mundo apresentada pelo profissional da comunicação.
Ora, os programas de rádio e televisão são bens de consumo, da mesma forma que um refrigerante ou uma lavadora de louça. A remuneração do telespectador ou ouvinte pelo serviço em questão consiste precisamente em se tornar disponível à veiculação das mensagens publicitárias cuja receita custeia a produção dos mesmos, comportamento que tem um inequívoco valor econômico. A publicidade propriamente dita – de produtos ou institucional – deve obedecer à regra mencionada anteriormente, ou seja, tem que ser “veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.”
Quebra de confiança
A mesma regra se aplica, por analogia, à propaganda, que não tem valor econômico direto ou imediato. É que também aqui há um valor jurídico a ser tutelado, que é a confiança. O consumidor tem o direito de ser informado sobre o que é genuína opinião do apresentador e o que ele veicula mediante pagamento – ou seja, sem fazer parte, necessariamente, das suas próprias crenças -, de forma a poder exercer uma crítica mais atenta. (Que, aliás, nunca deveria ser deixada de lado.)
O descumprimento dessa obrigação de informar importa na causação de um dano moral. O lesado, de fato, vê-se atingido de duas formas: o apresentador abusa de sua boa-fé, quebrando uma relação de confiança que pressupõe o fornecimento de informações relevantes sobre o que é veiculado no programa que dirige, e, por outro lado, o consumidor vê comprometida ou diminuída, de forma proposital, sua capacidade de julgamento e, conseqüentemente, de ação ou decisão na esfera política. Daí resulta o direito à indenização, pela qual é responsável também a empresa à que está vinculado o profissional.
Vale observar que a ação de reparação dos danos causados pela propaganda sob exame, tratando-se de direitos ou interesses difusos, pode ser promovida pelas vítimas ou pelas entidades referidas no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, entre as quais está o Ministério Público, sem prejuízo de medidas preventivas, como a eventual propositura de ação civil pública.
autor: Carlos Alberto Etcheverry
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