O mundo do luxo está mudando, redefinindo seus valores de busca de um modelo mais atento ao meio ambiente. A fabricante americana de jóias, Tiffanys, tirou de sua carteira de produtos o coral, porque não é possível cultivá-lo de forma sustentável. O fabricante francês de relógios e joias Cartier só investe em minas de ouro que não utilizem mercúrio para a extração do metal. As grifes de moda Loro Piana e Ermenegildo Zegna promovem o repovoamento das vicunhas nos Andes peruanos, favorecendo, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das comunidades locais. Essa tendência já está chegando também às cadeias de moda menos sofisticadas, como a Inditex, que colocou como meta tornar todas as suas lojas ecoeficientes antes de 2020, enquanto a H&M promove no Twitter roupas de poliéster reciclado. A exclusividade do luxo marca tendências que logo se espalham para o resto do mercado.
Em três anos apenas, o setor de luxo poderá chegar a €221 bilhões, de acordo com dados da consultoria Bain & Co. Os países asiáticos são as grandes estrelas do futuro setor, e empresas como Prada, Jimmy Choo e Coach, não deixaram passar despercebida a oportunidade que oferece a Bolsa de Hong Kong para se aproximar do público asiático. As consolidações corporativas também estão na ordem do dia. O grupo francês de produtos de luxo LVMH (Louis Vuitton Moet Henessy) comprou a Bulgari, especializada em joias e artigos de luxo, por €3,7 bilhões, além de controlar 20% da Hérmes. Esta última acaba de vender a Jean Paul Gaultier para a espanhola Puig, enquanto a Pierre Cardin encontra-se à venda.
Para explicar como funciona o setor mais sofisticado do mercado — o de consumo de bens de luxo —, o Universia Knowledge@Wharton conversou com María Eugenia Girón, professora da Escola de Negócios IE e autora do livro “Segredos do luxo”, publicado pela LID editorial. Girón preside também o fundo de investimentos Megamcapital especializado no setor de alto luxo e assessora várias empresas orientando-as em relação à estratégia e à construção de marcas.
O que é o ecoluxo e qual o seu impacto sobre o desenvolvimento de um mercado sustentável de alto luxo?
Mª Eugenia Girón: O ecoluxo é um termo cunhado para descrever os projetos que estão sendo postos em prática pelas marcas de luxo para integrar o valor da sustentabilidade à sua estratégia de negócios. Essa denominação abrange hoje diversas iniciativas diferentes. A Tiffany tirou o coral de sua carteira de produtos porque não pode cultivá-lo de maneira sustentável; a Zegna e a Loro Piana recuperaram a população de vicunha que estava em extinção, contribuindo assim para a prosperidade das comunidades locais que se ocupam do pastoreio desses animais e da produção de lã.
Hoje há uma pesquisa (de Havas, 2008) mostrando que o significado de “produto de melhor qualidade” para os consumidores está vinculado ao impacto que o desenvolvimento, a fabricação e a venda têm sobre eles, sobre o planeta e sobre as pessoas. A rastreabilidade dos produtos que consumimos é uma das preocupações das gerações mais jovens, que querem saber não só de onde vêm os produtos que compram, mas também qual o impacto de sua fabricação e venda sobre o mundo.
As marcas de luxo preocupam-se em responder a essas dúvidas de seus clientes e de uma forma diferente.
Faz sentido o luxo numa época de crise? Por quê?
Girón: Depois de um 2009 em que a indústria do luxo decresceu pela primeira vez, o setor cresceu 10% em 2010 e a expectativa para 2011 é semelhante.
Assistimos, além disso, a um fenômeno a que chamamos de polarização do luxo. Foram as marcas do luxo extremo, percebidas como um valor seguro, que suportaram com mais sucesso a crise. Algumas das principais marcas, como Hérmes e LVMH, tiveram os melhores resultados de sua história em 2010, tanto em crescimento de vendas quanto em rentabilidade.
Vivemos um momento de revisão de valores, e não de crise. A crise financeira e econômica de setembro de 2008, com a queda do Lehman Brothers, precipitou essa mudança impactando a escolha e a aquisição de produtos de luxo. Observamos uma volta aos valores da tradição, do artesanato e da autenticidade. Os consumidores de bens de luxo buscam mais do que nunca produtos “que durem para sempre”. Com relação às bolsas para a próxima temporada, isto é, o McLuxo, de acordo com a terminologia de Suzy Menkes, jornalista de moda, as consumidoras querem hoje bolsas que passarão de mãe para filha.
Houve alguma mudança na forma de vender ou posicionar os produtos de luxo antes e durante a crise?
Girón: A crise financeira foi o catalisador de algumas mudanças de importância muito significativa. Podemos destacar as seguintes:
a) desenvolvimento do “e-luxo”:
A indústria do luxo viveu até há pouco tempo de costas para a tecnologia e para a Internet. Praticamente a única coisa que se via nas páginas das revistas era a luta para acabar com a venda de produtos falsificados no eBay. Devido ao sucesso de algumas empresas online como a Net a Porter e a Gilt, nos EUA, a indústria começou a se movimentar no intuito de integrar a tecnologia à sua estratégia. A colaboração com blogueiros, o surgimento de sites como “The art of a trench”, da Burberry (com imagens feitas na rua de pessoas usando sua famosa capa de chuva), a utilização da “realidade aumentada” por Bucheron, que permite aos clientes provar joias e relógios virtualmente, são alguns exemplos dessa abertura.
b) Crescimento na China:
O crescimento do número de pessoas com renda elevada na China e a necessidade de símbolos que dessem visibilidade a essa nova ordem social estimularam o consumo de produtos de luxo no país e fizeram desse mercado o motor da indústria. Vale a pena lembrar que o consumidor em potencial desses produtos na China é, em média, 15 anos mais jovem do que o cliente de bens de luxo dos EUA. Esse perfil do consumidor no mercado que mais cresce está obrigando a indústria a rejuvenescer sua oferta de produtos e a desenvolver novos canais de interação com esse cliente mais jovem.
Podemos também observar como as coleções de moda e acessórios recentes de muitas marcas europeias se inspiraram na estética e na tradição chinesas. Exemplo disso foi o último desfile de Marc Jacobs para a LVHM. São reveladores os exemplos de marcas incipientes de luxo chinesas como a Xang Xia, um projeto liderado pela Hérmes.
c) Novos valores: sustentabilidade, rastreabilidade
Os consumidores hoje estão interessados em saber de onde vêm os produtos que consomem e qual o impacto que seu desenho, produção e desenvolvimento tiveram sobre o meio ambiente e sobre as pessoas. Seja por razões de saúde, como no caso da alimentação ou dos cosméticos, seja pela sensibilização em relação ao problema da deterioração do meio ambiente, hoje os consumidores identificam como “melhores” produtos os que respeitam esses valores.
Os consumidores de artigos de luxo, que se caracterizam por serem inteligentes e informados, são ainda mais sensíveis nesse aspecto. Essa realidade deu lugar a numerosas iniciativas na indústria do luxo que buscam dar resposta a essa preocupação dos seus clientes.
Como se cria uma marca de luxo?
Girón: A matéria-prima de uma marca de luxo é a criatividade. O desafio consiste em saber transformar a criatividade em rentabilidade. Para isso, é fundamental:
a) O desenvolvimento de produtos emblemáticos que se convertam em símbolos da marca.
Esses produtos, que são característicos das marcas mais míticas, são os que nos vêm à mente quando evocamos o nome de uma marca. Exemplos disso são a bolsa Kelly, da Hérmes, a jaqueta da Chanel e o mocassim da Tod’s.
b) Contar com o apoio de líderes de opinião.
Na história das marcas míticas há sempre clientes que são referência, que descobriram o produto e o adotaram. Essas pessoas transferiram para o produto seus atributos e valores pessoais. Por exemplo, quando Grace Kelly foi fotografada com uma bolsa da Hérmes, o produto ganhou fama e também uma imagem de refinamento e distinção que a atriz americana e, mais tarde, princesa europeia, representava. Quando Marilyn Monroe disse que antes de dormir passava algumas gotas de Chanel número 5, ela transferiu ao produto toda a sua imagem de sedução.
A Loewe, empresa espanhola de artigos de luxo, principalmente artigos de marroquim, foi pioneira no uso da napa de cordeiro para a confecção de bolsas. Essa inovação conferia leveza e uma impressão insuperável ao tato. O modelo “Amazona” da coleção Ante Oro, se converteu em símbolo da marca, já que reúne os atributos da discrição, elegância e qualidade que a caracterizam. Além disso, esse modelo, que a marca atualiza continuamente, foi escolhido e continua a ser adotado por pessoas que são referência na Espanha e no mundo.
O que é um líder de tendências e que importância ele tem para uma empresa de bens de luxo?
Girón: O líder de tendências é a pessoa que, por seu critério, bom gosto, acesso à informação, é uma referência para os clientes ou consumidores em potencial de uma marca. Esse líder de opinião deve ser capaz de representar os valores tangíveis e intangíveis da marca. Em alguns casos, como o da Hérmes e da bolsa Kelly, o produto toma o nome da pessoa que o usa e transmite a ele todos os seus atributos.
Como responsável por uma empresa de investimentos no setor de luxo, que tipo de empresas são as que mais interessam aos investidores internacionais? Por que têm havido tantas consolidações nesse setor nos últimos meses?
Girón: Essa indústria está crescendo e as previsões são de que continuará a crescer. Sua valorização na bolsa (índice PER 21X) manteve-se estável e o diferencial em relação a outras indústrias é maior do que nunca. É um bom contexto para compras.
As marcas mais atraentes são aquelas que têm um estilo próprio de produto e que mostraram seu sucesso nos mercados internacionais mais importantes: EUA, Ásia e Europa.
Um dos segredos para se construir uma marca de referência nesse setor consiste em fazer com que os produtos participem de um estilo próprio característico dela. Além disso, esse estilo deverá ser identificável e atraente.
Na origem de todas as marcas de referência que conhecemos há uma história de inovação. Seja a Louis Vuitton, quando no início do século 20 a empresa cria um baú de tampa plana e de tecido impermeável muito mais adequado para as viagens de navio da época; ou a jaqueta reinventada por Armani, nos anos 70, resolvendo as dificuldades das mulheres que trabalhavam em empresas. A marca deve também ser capaz de atualizar continuamente sua oferta de produtos inovando-os. Quando a criatividade serve ao mercado, converte-se em inovação.
As histórias de inovação e de criatividade estão na origem dos sucessos e colocam as marcas no mapa. A combinação da capacidade criativa com uma boa equipe gestora, que sabe transformar a criatividade em rentabilidade, é a outra variável da equação. A combinação de ambas permite construir uma marca valiosa e de sucesso.
Com relação à geografia do luxo, pode-se dizer que cada país ou continente tem seu luxo preferido?
Girón: As marcas de luxo são globais e seus produtos e sua imagem são, em essência, os mesmos no mundo todo. Contudo, há matizes e pequenas adaptações do produto em função dos gostos do mercado e até mesmo da fisionomia dos clientes. Por exemplo, vendem-se mais bolsas e joias de menor porte no Japão do que nos EUA e na Rússia.
Com relação aos tipos de produtos, é interessante notar que há um interesse específico por acessórios na Ásia e por joias na Índia. Em outras palavras, o percentual de vendas de joias em relação ao total de produtos de luxo é o mais alto do mundo. É igualmente significativo destacar que os diamantes de melhor qualidade são vendidos no Japão, ao passo que na China fazem sucesso as séries limitadas.
Qual o papel das diferentes regiões emergentes no mercado de luxo?
Girón: Os chamados mercados emergentes (China, Índia, Brasil, Rússia etc.) já são mercados essenciais para a indústria do luxo. Se tomarmos como referência do tamanho do setor os dados fornecidos pela Bain & Company, estaremos falando de vendas de produtos de luxo (moda, acessórios, joias, relógios, perfumes e cosméticos) em torno de €170 bilhões no mundo todo em 2010. Desse total, os EUA respondem por €40 bilhões, o Japão por €18 bilhões, a China por €19 bilhões, a Rússia por €4,5 bilhões e o Oriente Médio por €4 bilhões.
A Ásia teve uma importância enorme para o setor de luxo. Foi o mercado japonês, nos anos 80, que permitiu a transformação de um grupo de empresas familiares essencialmente europeias em um setor industrial próspero. Hoje, é o mercado chinês que faz o papel de motor da economia. Ele superou o japonês em tamanho e já é o segundo mais importante.
O impacto da China e do Japão no tamanho do setor se deve não só ao número de vendas dos produtos em seus mercados locais, mas também às vendas geradas pelos turistas japoneses e chineses em suas viagens à Europa e aos EUA.
Angela Ahrendts, CEO da Burberry, disse ao Financial Times em outubro de 2010 que as vendas da marca em Londres a turistas chineses chegaram a 30% do total.
Se a indústria de modo geral cresceu 10% em 2010, a área geográfica de maior crescimento foi a China que, pelo segundo ano consecutivo, apresenta um crescimento em torno de 20%; ao passo que no Japão houve queda no crescimento, enquanto os EUA e a Europa recuperaram os níveis de crescimento anteriores a 2009.
Na América Latina, o mercado mais importante é o Brasil, com um mercado de €1,5 bilhão e um crescimento previsto para os próximos anos de 15% a 20%.
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