Direção de Arte é muito mais do que um nome pomposo, antes de tudo é um ofício. Sim, o ofício de usar todo o seu conhecimento gráfico disponível para tornar algo visualmente agradável” para os olhos. É aliar talento, perspicácia e bom gosto. E isso não é algo que acontece da noite para o dia, nem se aprende somente dentro da sala de aula. Mas para exercer esse laborioso ofício, antes de mais nada é preciso ter paixão (aliás, requisito esse necessário em todas as profissões). Se você quer ser diretor-de-arte por que é um nome que (de fato) impressiona os menos esclarecidos, ou por que você quer se dar uma importância que na verdade nao possui, desista. Apesar de todo o glamour e ba-fá-fá, evite se mirar nas personalidades, concentre-se nos trabalhos. Aprender a ser mala, chique, arrogante, é muito fácil. Difícil mesmo é fazer um bom trabalho…Baseado nas muitas pastas que olhei/olho e nas dúvidas frequentes, escrevi essa espécie de guia” do diretor-de-arte, falando desde coisas básicas até coisas importantes, como ao mostrar a pasta, por exemplo. Vamos lá.
1. Estude. Leia. Devore. Pense. Tudo tem um sentido. Seja curioso. Mas por que o Itaú usa sempre as mesmas letras” nos comerciais? “Loc.Off.: A família/tipologia Helvetica pode ser assimilada pela maioria das pessoas (classe A, B, C, Z), sendo elegante e ao mesmo tempo nao-excludente”. Preste atenção em tudo: nas capas de livros, embalagens nos supermercados, nos uniformes das aremoças, nos motoristas de táxi, capas de livros, revistas, enfim, respire tudo que for necessário.
2. Entenda Propaganda. Procure saber o máximo, mas não seja alienado. Tente estar a par de tudo que esteja sendo feito, e também o que foi feito por outras gerações. Se tiver algo novo para aprender, escute. Saber nunca é demais. Mas seja eclético, divida experiências. Falar duas horas sobre física quântica cansa, não é? Com propaganda acontece o mesmo. Não limite seu vocabulário com as coisas que você vê nos anuários. Música (no geral), política, cultura regional, global, etc, tudo isso são ferramentas vitais.
3. Agência Grande x Agência Pequena. Muitos sonham em trabalhar em grandes agência por motivos descabidamente óbvios, mas… Esse nicho (de agências grandes) não tem capacidade de absorver a grande quantidade que se forma a cada ano. Por isso, se tiver uma oportunidade de trabalhar, trabalhe. Se a agência é grande, média, pequena, todas elas tem basicamente a mesma função, e garanto que todas elas tem algo a ensinar. Até mesmo porque criatividade não vem da agência, vem da natureza… Oportunidades aparecem, então é melhor estar preparado. Já pensou se uma agência grande te chama e você nem tem idéia do seja prova de prelo”?…
4. Seja Profissional. Saiba o que está falando. Não adianta chegar para um fotógrafo e dizer: “-Siguintchi, cê tá ligado, né? Aqui eu pensei uma luz muita louca, e aqui uma coisa meio pã, sabe… Tipo aquele filme… Hmmmm…Daquele cara lá, mó veneno, mano…” Não funciona (muito bem). Saiba nomes, tenha referências, conheça possibilidades estéticas. Este item é um reforço e um exemplo de aplicação do primeiro e segundo parágrafo acima. Sempre que possível, faça cursos de cinema, linguagem visual, desenho, fotografia, photoshop (sim!), flash, animações e outros até de interesse pessoal. Mesmo que se diga mas no Brasil não existem cursos bons de fotografia ou de cinema” (frase comum na boca dos mais chiques), é melhor do que não saber nada. Ou fingir que sabe alguma coisa… Desnecessário dizer que um ingrêis é bem vindo. Mas não vomite vocábulário sofisticado, fora de ocasião isso o torna uma pessoa intragável.
5. Prêmios. são ótimos, massageia o ego, nada melhor do ter um trabalho merecidamente reconhecido e avaliado pelos melhores profissionais. Mas… não comece pelo fim. Muitos dos profissionais que você (e eu) admira não nasceram da noite pro dia, nem ganharam prêmio no primeiro job. E se de um lado você tem um prêmio, do outro você tem a cobrança: Mas você é bom mesmo ou foi sorte?” Lembre-se que Pelé não fez apenas um, mas muito mais gols. E não ganhar prêmio não significa que você seja um mau-profissional, saiba que muitos (excelentes) trabalhos passam desapercebidos nos julgamentos, e nem por isso deixam de ser ótimos trabalhos. Mas antes de tudo, trabalhe, seja profissional, esteja preparado. Por isso e antes disso vem a…
6. Pasta. Sua pasta é seu cartão de visita. Ok, eu sei que você já pode ter ouvido isso, mas… Sempre que possível olho pastas, e detectei alguns problemas muito comuns nos trabalhos das pessoas que estão iniciando. Por isso, evite anúncios do tipo: foto do produto (geralmente Diet) e aquela famosa sombrinha (da mulher que fica gostosa); dummie (boneco de crash-test) fazendo ok por que o carro x” é duca; estátua que vira o rosto para olhar carro /ou mulher / ou o tênis; manequim fazendo caras e bocas (ou o famoso sinal de positivo…); anúncios de mouse” (mão do mickey mouse sobre o mouse, mão de manequim sobre o mouse e o famoso www…). Aqueles filmes brilhantes que usam o mesmo velho e bom truque, aí a câmera abre e revela que…” A não ser que vc tenha algo realmente brilhante, senão tire da sua pasta. E evite também a pegadinha Marcas Famosas”, do tipo Nike, Audi, Jontex, etc. Se você já trabalhou com essas marcas, tudo bem. Mas se não, onde entra o seu crédito como criativo? É fácil criar em cima de algo já estabelecido. E apesar da Nike (e etcs) ser um dos maiores anunciantes do planeta e ter uma excelente comunicação, lembre-se que propaganda não se resume a essa fórmula. Outra coisa: nem todo cliente tem milhões para fazer uma linda foto. As vezes nem mil reais. Conhece o all-type”? Procure sempre ter um na pasta. O bom profissional (leia-se diretor-de-arte) faz um bom trabalho independente dos recursos. Não existe motivo que justifique um mau trabalho. É fácil por a culpa na viola, mas quem toca é o violeiro.
7. Ao mostrar a danada… ouvir é mais importante do que falar. Lembre que você está falando com um profissional que talvez não tenha dormido. Ou que talvez tenha acabado de sair de uma reunião de 4 horas com o cliente. Não tenha pressa de mostrar sua pasta por aí, uma hora seu cartucho acaba. Se possível, escolha um profissional que você admira. Mas não seja mala. Não ligue no celular dele nos fins-de-semana, e nem pense em falar com ele como se fosse seu amigo, ou melhor, seu mano de dez anos atrás (a não que ele explicitamente o permita). Outra: você ligou, já havia marcado com aquela pessoa faz uma semana (ou mais) e ele desmarcou… Tenha paciência, tente outra vez. Não apareça de surpresa, nem deixe mil recados. Mas fazem dois meses que minha pasta está lá e até agora nada…” Se você tem pressa em sair por aí mostrando (o que não é bom) ou apareceu outra oportunidade (o que é ótimo), tenha cópias. Aliás, nem apenas por esse motivo, mas por segurança tenha uma de reserva. Além do mais, pode ser que ele tenha esquecido de você, mas é possível que ele também esteja esperando a hora certa de mostrar a sua pasta pra o diretor de criação dele.
8. Seja humilde, seja versátil. Dê chance para a Sorte. Mala-Direta não tá com nada… Ledo engano. Mala-Direta, folhetos, cartão-de-visita, camiseta, enfim, tudo isso é trabalho. Se você está ansioso por uma oportunidade, não desperdice chances. Muito se aprende com esses trabalhos, e goste ou não são os melhores exercícios, especialmente quando se trata de direção de arte, esse nome bonito, mas difícil de explicar o que é. E são essas experiências que ensinam que não se coloca letra amarela em fundo branco nos outdoors (se você nunca viu um assim, é porque não conseguiu ler). Que é difícil uma combinação entre letra azul com fundo vermelho,ou vice-versa. Que apesar da fama de chato, anúncios classificados são as maiores escolas de diagramação, e atualmente há uns muito bons. Talento também é não ter medo de desafios. Não seja preconceituoso, isso inibe as possibilidades de você ampliar seus horizontes. O mesmo serve quando alguém lhe oferecer o cargo de assistente. Assistente, eu? Mas fulano-de-tal disse que já posso ser diretor-de-arte! Pense bem, pois esse fulano de tal não disse que como assistente você recebe muito mais orientações. Além de receber um salário. Só para ilustrar essa situação, tenho visto muitas pessoas darem o pulo maior que a perna, saindo da escola/faculdade/curso e indo direto para a criação. Resultado: perfil de profissional com performance de amador. É chato ver alguns (mesmo que talentosos) não sabendo montar um mock-up para o próprio layout… Aliás, lembrei-me de um famoso conceito que diz “Power is nothing without control” (Pirelli). O mesmo se aplica ao talento.
9. Mas quanto ganha um diretor-de-arte? Antes de saber essa resposta, é preciso saber mais sobre fontes com serifa, sem serifa, all-type, travelling, still, pantone, fade in/out, cromalin, cor especial, aplique, finalização, produção, etc.
10. Bom, espero ter contribuído. Definir uma função tão abrangente em poucas linhas é compreensívelmente impossível. Por isso, dê uma olhada também em outras colunas do Trampolim, e se possível decore o Manual do Estagiário (E.Mohallen). Digo isso não por puxação” (ih, ó, nem conheço o cara…), mas até hoje o manual me serve de lição no dia-a-dia. Além de esmiuçar tb o site do Trampolim, onde tem muita gente boa dando dicas ótimas, de estudantes a profissionais do mercado. Mas antes de tudo, seja honesto e pergunte pra você mesmo: -Será que sou/quero ser um profissional de criação? Ou quero mesmo posar de moderno e ser famoso (fazendo um trabalho meia-boca)?” Se você escolheu a segunda opção, compre uma guitarra, pinte o cabelo, diga frases desconexas e use bastante drogas, mas tente morrer depois de ficar famoso e rico. Ou candidate-se a uma vaga no Big Brother. Mas se você sincera e honestamente escolheu a primeira opção… bem-vindo, caro colega. Temos muito a fazer e a aprender nessa profissão que requer muita paixão e bastante talento.
autor: Marco Antonio “Eddie Murphy”
fonte: trampolin
Uma resposta
Muito bom o artigo.
O que me incomoda em direção de arte é que todo mundo acha que é ou que sabe fazer mas são os poucos que realmente “dirigem a arte”.
Muito bom mesmo. =]