No momento em que a popularidade da Igreja Católica diminui na América Latina, a Jornada Mundial da Juventude pode ser considerada uma ação de marketing cuja finalidade é renovar os fiéis. A opinião é do teólogo e diretor do Instituto Brasileiro de Marketing Católico (IBMC), Antonio Miguel Kater Filho.
“Se a gente for olhar de maneira ampla, tudo o que envolve atender as necessidades das pessoas e fidelizá-las é marketing”, define Kater, obstinado há mais de 20 anos em desfazer a má impressão provocada pelo termo entre os católicos.
O teólogo, que se autodefine como marketeiro católico, apontou outras oito estratégias que a Igreja usa – ou deveria usar – para disseminar seus ensinamentos e atrair um público mais jovem.
Igreja, o novo point
Para atrair jovens que não visitariam espontaneamente eventos religiosos da jornada, foram criados o Catolic Point, onde os peregrinos poderão dançar ao som de música eletrônica católica, e o Espaço 180°, destinado aos esportes radicais.
Kater defende expandir esse tipo de ação para que a instituição se transforme no novo “point” da juventude. “Você põe uma banda para tocar à noite na Igreja e chama o jovem antes de ir para balada. Se ali virar point, vai ser excelente porque trará aquelas ovelhas desgarradas do rebanho para perto de você”, prega.
Esquenta
Para o teólogo, a Igreja resiste a mudanças simples, como alterar o horário da missa, algo determinado numa época em que ainda não havia eletricidade.
“Tenho falado para o clero que se queixa de o jovem não estar na missa: a que horas você celebra? Às 10h da manhã, o jovem está dormindo depois de ter voltado da balada e às 17h está vendo jogo do seu time. Quem de vocês tem uma missa às 23h do sábado?”, provoca.
Em cidades do interior, onde há poucas atrações, a experiência de alterar o horário está atraindo um novo público, segundo o teólogo. Porém, Kater reconhece que, nas grandes metrópoles, a concorrência de “atividades muito mais atraentes do que as celebrações católicas” ainda é uma desafio e, para vencê-lo, é necessário usar a criatividade.
Benchmarking
Para encarar a disputa, olhar para o lado não é nenhum pecado. “Se nossos irmãos evangélicos desenvolveram estratégias que atraem jovens para igreja, por que não copiar?”, questiona. O benchmarking é visto como a estratégia mais adequada para essa missão. “Não preciso refazer o caminho percorrido com dificuldade por alguém, mas aprimorá-lo.”
No Brasil, onde a concorrência dos evangélicos cresce a cada ano, a porcentagem de católicos passou de 74% em 2000 para 65% em 2010. A América Latina concentra a maior porcentagem de católicos no mundo, mas a porcentagem de latino-americanos católicos também caiu, segundo estudo.
Os dados assustam a igreja, que escolheu um latino-americano como papa após a renúncia de Bento XVI e definiu o maior país católico do mundo como destino da JMJ. Para Kater, os fatos não passam de “deuscidência”, um coincidência divina, mas merecem atenção. “A Jornada vai deixar lições e, se a Igreja souber fazer a leitura disso tudo, vai tirar proveito”, aconselha.
Jesus, “o maior marketeiro da História”
É a primeira vez que o papa Francisco sai do Vaticano e, segundo Kater, o religioso sabe que está sob todos os holofotes, assim como tem consciência de que seu discurso está sendo multiplicado nas mídias tradicionais e nas redes sociais. “Diante disso há uma grande estratégia de marketing cujos resultados devem trazer uma maior visibilidade positiva da Igreja”, avalia.
O teólogo também vê como estratégico o fato de o papa ser carismático. No entanto, à parte do sorridente pontífice argentino, “o maior marketeiro da História” continua sendo Jesus Cristo. “Jesus atendeu necessidades fisicas e espirituais das pessoas e formava frases curtas, como slogans, para transmitir ensinamentos”, afirma. “A cruz é o maior logotipo que conhecemos na História”, acrescenta.
O marketeiro católico alerta para as duas maiores qualidade publicitárias de ambos os líderes: a coerência e a autenticidade. Para Kater, diferente dos políticos, Jesus e Francisco são conhecidos por cumprirem o que prometem e executarem o que pregam.
Se vira nos 140
Ao criar a conta @Pontifex no Twitter, a Igreja Católica sinalizou, já no papado de Bento XVI, a importância das redes sociais na expansão religiosa. Apenas um ano após a criação, o perfil de Francisco no microblog é o segundo mais seguido do mundo com sete milhões de seguidores, perdendo apenas para o de Barack Obama.
Segundo Kater, as redes transformaram em realidade o que antes seria considerado um milagre: estar em vários lugares ao mesmo tempo. No entanto, para se adaptar aos novos tempos, a Igreja deve se livrar do discurso prolixo e apostar em frases de efeito, estratégia que Francisco tem demonstrado dominar.
“Cristo bota fé nos jovens”, “Não existe mãe solteira, existe mãe” e “A Igreja é jovem” são algumas das falas marcantes transmitidas pelo novo papa em tuítes e discursos. “Em 30 segundos, pedindo para as pessoas rezarem por ele e dizendo que vinha do fim do mundo, ele ganhou milhões de simpatizantes”, lembra Kater sobre o primeiro discurso de Bergoglio como papa.
O teólogo defende uma revolução tecnológica na Igreja. “Depois da jornada, a gente vai sentir o despertar de vocações porque o jovem da Geração Y não é pragmático na escolha da profissão como foram os babyboomers. Hoje ele pensa muito em qualidade de vida”, analisa Kater.
“Vivemos numa era de tecnologia intensa. É inadmissivel que um seminarista não tenha laptop e iPad. Eu mesmo e os padres usamos o ‘santo Google’ que nos ajuda em tantas coisas…”
Patrocínio
A jornada obteve 20 milhões de reais em patrocínio de grandes marcas como Bradesco, Itaú, Santander, Nestlé e McDonald’s. A agência contratada para negociar o apoio foi a Dream Factory. “Essa empresa leiga foi em busca de patrocinadores pesados com um argumento simples: se eu tenho 64% da população católica, deve haver empresas dispostas a agradar esses 64%.”
Segundo o teólogo, o Instuto de Marketing Católico quer quebrar o tabu da relação dinheiro-religião. “A igreja sobrevive do quê? Dizimo, apoio, patrocínio. Nenhuma das hipóteses é pecadora ou desleal”, defende.
Nos momentos em que buscou apoio para eventos católicos, Kater notou que as empresas recorrem a um argumento comum para rejeitar acordo com a Igreja., algo que ele tenta mudar “Eles dizem: ‘vou ficar mal com os evangélicos’. Aí eu uso argumento: ‘se fosse assim, ninguém apoiaria o Corinthians ou o Palmeiras’.”
Concessões
Para aumentar a popularidade e se adaptar ao seu tempo, a Igreja aposta em pequenas mudanças que faz questão de divulgar. Hoje, filhos de mães solteiras já podem ser batizados e muitos casais que estão em uma segunda união frequentam encontros católicos.
A grande expectativa para o papado de Francisco é a ordenação de homens casados, que alteraria uma tradição secular. Porém, em relação a temas polêmicos para o catolicismo, como aborto e homossexualidade, a postura conservadora tende a permanecer. “A igreja nunca vai validar o aborto porque sempre defende o valor da vida. Se mudar, eu mesmo mudo a Igreja”, sentencia.
“Nossa intenção é fazer com que a Igreja use ferramentas do marketing que não se contraponham às suas orientacões para que melhore sua comunicação, sua arrecadação de fundos, atraia novos adeptos e tenha melhor visibilidade”, esclarece Karter sobre os objetivos do IBMC.
Apesar de estar “do lado da igreja” e contar com bispos como representantes, o instituto ainda sofre resistência por parte das lideranças católicas. “Vamos fazer agora 19º Encontro de Marketing Católico no Brasil. Já houve pedidos para fazer na Argentina e no Uruguai, mas a recusa veio do alto escalão. A Igreja latino-americana é mais tradicionalista”, lamenta.
autor: M. Medina
fonte: http://exame.abril.com.br