Vivo lendo as paredes e recolhendo folhetos por onde passo, é quase um vício. Gosto de prestar atenção nas fontes tipográficas, cores, ilustrações e até no papel. Além do que está escrito, claro, principalmente agora, que consigo entender um pouco mais.
Pois semana passada vi um folheto bem bacaninha convidando para um concerto de soul music dentro de uma igreja histórica de Berlim. Fiquei tentada não só porque adoro esse tipo de música, mas também porque o material era muito bem feito; marca gráfica primorosa (veja acima), assim como a escolha da tipografia, as cores e o design da informação.
Sob a influência de uma trilha sonora mental recheada de James Brown, Aretha Franklin e Michael Jackson, logo imaginei que esse coro profissional deveria contar com alguns negões e pelo menos uma vocalista daquelas de peso, bem poderosa mesmo. Gente que domina a arte de cantar e consegue combinar potência com ritmo, contagiando todo mundo.
Pois bem, foi nessa atmosfera que compramos os ingressos e lá fomos nós, empolgadíssimos, ao concerto.
Gente, não dá para dizer que foi ruim, mas eu não estava preparada para o que se passou.
A questão é que era um coro absolutamente amador sob todos os aspectos. Não que isso seja um problema; o repertório foi rigorosamente cumprido, o pessoal pareceu se divertir muito (a energia do maestro tinha uma intensidade e vibração quase palpáveis) e o quarteto que acompanhava o espetáculo parecia saber bem o que estava fazendo. Mas era um grupo de pessoas comuns que se reunia uma vez por semana para cantar e espantar seus males.
As vozes não eram tão potentes e afinadas como seria de se esperar e a única mulata presente ficou lá no fundão, com uma voz bem fraquinha. As músicas com solistas foram bem executadas, mas por alemães, e ainda por cima, não profissionais. Aí fica difícil…
Enfim, não tinha nada de errado com o grupo. O problema foi o ótimo design, que projetou uma expectativa que eles não podiam atender. O nível do material de divulgação era digno de cantores do naipe de um Steve Wonder; esse foi o problema (ainda mais se considerarmos que estamos em Berlin, e aqui não é difícil encontrar bandas espetaculares em bares comuns).
Isso acontece muito com empresas, principalmente as que estão começando. A gente olha o site e acha que é uma multinacional que atua nos 5 continentes e tem milhares de funcionários, quando, na verdade, são três amigos menores de idade trabalhando no quarto de um deles.
Não, não estou dizendo que empresa pequena ou familiar precisa ter design meia boca, de jeito nenhum, não me entendam mal. Mas quando a coisa fica num nível de profissionalismo que a organização não consegue acompanhar, pode frustrar expectativas que não teriam sido geradas de outra forma.
O coro de soul, por exemplo, poderia ter aproveitado o talento do colega (sim, deve ter um designer entre eles, certeza!), mas não esquecer de colocar informações sutis, porém importantes, como falar que o grupo só se apresenta uma vez por ano, por exemplo (isso pode dar dicas que eles não vivem disso, e o resto se deduz). Eu iria na apresentação do mesmo jeito, mas não ficaria tão desconcertada.
Em resumo, bom design é sempre bom; na verdade, é ótimo. Mas ele não pode ser melhor do que a própria empresa.
autora: Lígia Fascioni
fonte: Acontecendo Aqui