Sem produtos, não existiria consumo, no sentido mercadológico do termo, portanto, não existiriam mercados, nem mesmo na base da troca, independentemente da adoção de uma moeda como meio de aquisição e medida de valor, exceto se considerássemos como mercado também as relações de trocas primitivas, através das quais uma centena de ovos (sem embalagem mais que palha, óbvio) era trocada por um galo após muita briga. Ah! temos produtos, então temos relações um grau acima do básico, o que já lhes garante a alcunha de civilizadas. E se temos produtos, temos design, pois sem ele não haveria o processo que resulta na transformação de materiais para se conformar um objeto. Até aqui, criança entende. Mas, o que tem a ver o grau de civilização com o design? Aos que preferem respostas sem palavras, algumas sugestões: comparem uma vitrine francesa de chocolates com grife à vitrine de docinhos da padaria mais próxima de sua casa; projetos arquitetônicos de Rem Koolhaas (estão pelo mundo, inclusive na China!) aos famosos projetos Cingapura de moradia popular; uma garrafa de Coca-Cola à garrafa de uma Tubaína, na década de 30. Estas são apenas algumas das intrigantes e fascinantes reflexões que somos levados a fazer quando o tema é design de produto, motivo pelo qual a Brazil Design Week realizou a façanha de manter superlotada a Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, em plena noite de sexta-feira, das 19:00 às 22:00. Tinha gente sentada no chão e, detalhe, lá fora o calor carioca era puro deleite para um passeio à beira-mar.
Tobias Bertussi, diretor da Bertussi Designindustrial, foi o primeiro palestrante da noite e empregou tom didático em apresentações de cases que atestam a percepção de valor capaz de levar um produto, bem como seu designer, do anonimato ao sucesso em pouquíssimos dias. Segundo o especialista, pesquisas são fundamentais para que se caminhe nessa direção, principalmente a adoção de estudos investigativos do perfil e do comportamento do público objetivado, bem como do modo como será utilizado o bem no ambiente de sua finalidade. Alerta: as classes C e D podem deixar de comprar determinados objetos de uso corriqueiro, mesmo que tenham vontade, necessidade e dinheiro para adquiri-lo, se, diante do seu design, chegarem a conclusão de que o mesmo não foi feito para o seu padrão social – e isto ocorre facilmente, antes do preço da mercadoria ser descoberto. Por outro lado, como ressaltou o profissional, o público aceita pagar mais por um objeto mais funcional e esteticamente mais atraente do que seus tradicionais similares.
Mas Bertussi não enfocou somente a funcionalidade e a atratividade sob a ótica do design. “Todos buscam prazer na vida. O consumo, em qualquer situação, ao ser associado ao prazer, a momentos agradáveis, provoca mudanças não apenas na preferência por marcas, produtos e serviços, mas também de comportamento. Além disso, creio que o consumo é a democratização da arte. Certas experiências de consumo associadas ao prazer e à arte nos mostram que peças exatamente iguais podem ser encontradas tanto na casa do cidadão da Zona Sul como no lar do Joãozinho do Morro.”
As teorias e práticas de Bertussi nos encaminham para questionamentos interessantes, como: “Brasileiros são, de fato, apaixonados por carro ou, na verdade, são apaixonados por locomoção com conforto, o que significa que se o transporte público fosse não apenas eficaz, no País, mas também prazeroso, mais carros seriam deixados na garagem, conseqüentemente, teríamos menos problemas com engarrafamentos e poluição?” Guto Índio da Costa (sua empresa tem na denominação seu sobrenome) não precisa meditar muito para responder à essa questão, nem pedir ajuda aos universitários, todavia, para embasar seus argumentos, não lhe faltam dados estatísticos:
1 – O planeta Terra tem hoje 6,5 bilhões de habitantes. E não está se preparando para chegar a 9 bilhões em cerca de quatro décadas.
2 – O apagão urbano, em face da realidade atual, será inevitável em todas as regiões do Globo, chegando primeiro às grandes metrópoles e, em seu percurso para os recantos mais afastados da Terra, estará se potencializando em razão dos problemas que se somarão uns aos outros, dentre eles mais doenças contagiosas por causa da falta de infra-estrutura para saneamento básico.
3 – O raciocínio que leva à dedução de que a falta e o encarecimento do petróleo gerarão mais guerras é tão óbvio como, na matemática simples, dois mais dois dá quatro.
4 – As áreas campestres do Planeta estão sendo, além de relegadas ao abandono como locais de moradia, danificadas, enquanto se observam índices assustadores de crescimento das populações nos centros urbanos, isto é, quando o ser humano tentar se voltar novamente para a natureza com bons olhos já poderá ser tarde demais. Querem números? Em 20 anos, 37 milhões de moradores em Tóquio; 22 milhões em São Paulo; sabe-se lá quantos ratos (ratos novamente?!) invadindo os prédios de New York pelos esgotos.
5 – Carros de todos os preços – os luxuosíssimos gerando mais cobiça e contrastes; os baratos invadindo as ruas sem espaço para circulação – continuam sendo fabricados a todo vapor, embora já estejam anotadas nas agendas dos empresários, dos governantes e de autoridades as cifras dos gigantescos prejuízos causados pelo tráfego irresponsável e descontrolado nas cidades (montantes que precisarão ser empregados em inúmeras correções de percurso, entre elas a purificação do ar, a revitalização física dos seres humanos pelos sistemas de saúde público e privado, bem como a atenuação do estresse cotidiano, principalmente das crianças). Etc.
Por causa desse cenário, Índio da Costa conclui que não há motivos para os designers continuarem se mostrando afoitos diante das oportunidades que surgem para que possam desenvolver novos produtos de consumo massivo, essencialmente automóveis… Incoerente para quem é do ramo? Não. A proposta dele não é aniquilar a profissão dos designers e de suas empresas com a paralisação imediata de suas atividades, mas sim estimular reflexões socialmente responsáveis, calcadas em medidas de respeito ao meio ambiente, que também honrem as necessidades fisiológicas e psicológicas dos terráqueos.
“O trabalho de um designer vai muito além do desenvolvimento de um projeto para fabricação de um produto sedutor. É impossível não refletirmos nessa problemática que enfrentamos no mundo contemporâneo, como profissionais do setor, se pretendemos, de fato, legar aos nossos filhos e netos um planeta ainda habitável”, frisou.
Antes de encerrar sua conferência, Índio da Costa animou os presentes com a apresentação de um invento já patenteando, ainda aguardando parceiros para a construção de um protótipo: um fantástico trem elétrico que pode ser fabricado em tempo recorde na comparação com os similares hoje em uso, especialmente desenhado para atender às urgentes exigências de um transporte coletivo eficaz nos centros urbanos.
Na mão inversa, Levi Girardi, da Questto, provou à platéia que brasileiro tem habilidades, competência e talento para desenhar e fabricar um carro para uso no mercado interno e para exportações, sendo que o maior benefício do modelo exibido em cada uma de suas fases projetivas é propiciar prazer a quem gosta de dirigir, porém, nos fins de semana, sob o conceito “fun car”, e entre as rochas (e tendo cuidado para não atropelar as coitadas das cobras!). Nada mau, visto que o trânsito caótico das cidades vai acabar não apenas inviabilizando esse tipo de transporte para poucas pessoas no dia-a-dia, mas também impelindo os cidadãos a bucólicos passeios no campo, em busca de repouso e boa alimentação.
Manoel Müller, sócio-diretor da Müller & Camacho e presidente da Abedesing, deu uma verdadeira aula após a palestra de Girardi, comprovando que, seja qual for a atividade à qual um profissional ou estudante se dedique, o melhor caminho para as melhores soluções é dar início ao percurso do raciocínio lógico pela via das perguntas bem formuladas. Este tipo de estratégia reflexiva contribui para que o “pensador” não divague inutilmente, sem, porém, deixar de fazer uso da subjetividade que tanto apóia o trabalho inventivo.
Com perspicácia, Müller sintetizou a história da evolução do design da década de 60 aos dias de hoje, recorrendo ao passado para entender melhor o presente e conseguir alinhavar boas hipóteses tanto de problemas como de soluções para o futuro próximo. Segundo o profissional, se inicia, neste momento, dentro do quadro temporal por ele traçado, a terceira geração do design brasileiro, na qual será de fundamental importância o trabalho que já vem sendo desenvolvido, há 33 anos, pelo Instituto Nacional de Tecnologia (INT), cujos campos de atuação foram brilhantemente listados, durante o encontro, por Domingos Naveiro.
Por que e para que queremos novos objetos, novos produtos, novos serviços, novas marcas? Esta questão está intrinsecamente ligada a uma segunda pergunta: qual é o futuro que nós queremos para o design brasileiro? E, com absoluta certeza, ao conseguirmos responder, com louvor, a esta segunda questão, também estaremos contribuindo com as reflexões de todos aqueles que, neste momento, na elaboração de teses dedicadas a todos os campos do conhecimento científico e humano, perguntam a si mesmos e aos seus pares: qual é o futuro que nós queremos para o Brasil e para o planeta Terra?
fonte: Portal da Propaganda