A menos que o profissional em questão tenha interesse pessoal pelo estudo das questões filosóficas, a resposta imediata para a pergunta acima seria: nada! Entretanto, se esse profissional é alguém interessado ou preocupado com o futuro do mercado e, conseqüentemente, com o seu emprego, ouvir um pouco das lições do Mestre pode proporcionar uma visão panorâmica e cartográfica das questões que giram em torno da regulamentação legal da profissão.
Em Filosofia, um Conceito é o instrumento por intermédio do qual se delimita um objeto de estudo ou se estabelece uma nova concepção sobre um aspecto da realidade. O conceito de Idéia, por exemplo, foi constituído por Platão para se referir às formas que não possuem conteúdo (formas puras) e que são de vital importância no conjunto de sua obra – é a famosa Teoria das Idéias Platônicas.
Seu discípulo e sucessor, Aristóteles, responsável pela formalização da Lógica, nos legou, entre outras coisas, dois postulados imprescindíveis no que diz respeito às propriedades de um Conceito: um se refere à sua Extensão e o outro à sua Compreensão. Quanto maior for o nível de generalidade de um Conceito, maior será sua Extensão; quanto mais específico for um Conceito, maior será a sua compreensão. Essa é a base da também famosa teoria aristotélica dos gêneros que fornece uma ferramenta classificatória que vai do Gênero à Espécie e desta ao Espécime.
O Gênero Animal possui uma Espécie chamada Homem que, por sua vez, possui um Espécime chamado Moisés (esse que vos fala). De forma que quando se diz “Animal”, o nível de generalidade é tão grande que seria impossível compreender o que se está querendo dizer (a menos que você esteja xingando alguém…). Por outro lado, se você diz “Moisés”, está se referindo a alguém em especial que pode ser aquele cara que dizem que abriu o Mar Vermelho ou o autor do presente artigo. Consideradas em sua relação, a Extensão e a Compreensão de um Conceito variam de forma inversa: maior Extensão é igual a menor Compreensão e vice-versa.
Para Platão, a Idéia de triângulo é o que tornava possível todas as espécies e espécimes de triângulo. Quanto mais próximo se estivesse de um espécime de triângulo, mais distante se estaria da Idéia ou Conceito de triângulo. Considere-se agora o Conceito de Marketing. O conteúdo do Artigo 1º do Projeto de Lei que tramita na Câmara Federal visando a regulamentação legal da profissão deixa claro o quanto a desconsideração das propriedades de Extensão e Compreensão de um Conceito, acaba gerando inconsistências.
Por ser o Conceito de Marketing amplo demais, a tentativa de especificação das características do profissional desse segmento contida no Artigo citado acabam degenerando em uma multiplicidade de atribuições que nem o Super-Homem depois do MBA em Harvard, conseguiria dar conta. Como Aristóteles nos ensinou, quanto mais se especifica, mais se produz um afastamento do Gênero. Dito de outra maneira, existe uma incompatibilidade lógica em se tentar conciliar o Conceito de Marketing (seja ele qual for) que é um Gênero, com o Conceito de Profissional de Marketing que é uma Espécie.
Em que, de fato, Aristóteles pode ter ajudado no que diz respeito ao futuro do mercado e da profissão? Simples. A incompatibilidade lógica contida no Projeto de Lei denuncia outro aspecto embutido nas reincidentes tentativas de votação: o aspecto político. Segundo o Código Penal, não existe crime se não existir lei que o preveja. Isso quer dizer que todo profissional atuante no mercado não está nem dentro nem fora da lei. É uma espécie de liberdade nômade que o Projeto de Lei (apesar da incompatibilidade lógica), caso votado e aprovado na Câmara e no Senado, irá cercear.
Sem contar outro aspecto que tem incomodado quem atua no segmento publicitário sem as devidas “habilitações”: o econômico. O cerceamento da liberdade política de atuar no segmento – liberdade que caracteriza a Publicidade enquanto um dos princípios da Democracia tão bem conhecida por Aristóteles – perto do impacto econômico gerado pela demissão em massa e pela ilegalidade no exercício da profissão, vai fazer o aspecto político parecer fichinha e passar despercebido.
Aspectos mais prementes como esses dois últimos, fazem o problema da incompatibilidade lógica ficar parecendo “veleidade de Filósofo”. Só que problemas prementes tendem a exigir nossa reação imediata. Nesse caso, cabe lembrar de Henri Bergson que, em seu clássico Matéria e Memória, constitui um Conceito de Liberdade que consiste em estabelecer um intervalo entre a ação recebida e a reação devolvida: o intervalo de um pensamento. Quem sabe se depois de se permitir o direito a esse intervalo, o leitor possa responder de modo diferente à pergunta que dá título ao presente artigo e estar mais atento ao texto do projeto de lei que ira definir seu futuro.
autor: Moisés Efraym
fonte: Mundo Marketing