Que grande ironia, hein? Pode parecer brincadeira, mas a verdade é que uma parte substancial do crescimento do mercado de luxo precisa ser atribuída à emergência social da, assim denominada, classe C.
O que tem acontecido com esse segmento social, desde do Plano Real, é uma migração de consumo vertical. Ele tem deixado de se abastecer dos produtos e serviços que classicamente eram dirigidos a ele e passou a “invadir territórios” que antes eram ocupados pelos grupos sociais no topo da pirâmide. Suas conquistas sociais refletem, principalmente, maior poder de compra e de realização de desejos há muitas décadas recalcados. Tudo se passa como essas pessoas estivessem, numa linguagem bem banal, “tirando o atraso”.
Todos já deram as boas vindas a esse fantástico contingente de novos consumidores a caminho de suas realizações materiais. O próprio ciclo de crescimento e estabilidade de nossa economia têm dependido muito desse movimento, que alimenta o PIB. O que foi negado a eles durante muito tempo hoje está ao alcance de suas mãos, ou melhor, de sua renda discricionária. A abundância de crédito e redução de taxas de juros são parte de dessa mesma equação.
É lógico que, no horizonte, existem nuvens preocupantes de endividamento descontrolado ou do efeito dos solavancos internacionais. Mas, de qualquer maneira, o que temos visto até agora é uma renovada capacidade de consumo dessa classe C. Eles não estão se transformando em cidadãos plenos ainda porque ascensão social não depende apenas de mais dinheiro no bolso, mas de um projeto mais amplo que envolve níveis educacionais mais alinhados com aquilo que o desenvolvimento permanente exigiria.
De qualquer maneira, a classe C tem penetrado em “jurisdições de consumo” para as quais ela nunca havia sido convidada antes. E aí é que nasce a ironia em relação ao mercado de luxo.
Os habitantes tradicionais desse mercado, o topo da pirâmide ou regiões próximas, têm assistido com certo constrangimento à chegada dos “Visigodos às portas do Império”.
O que eram produtos e serviços de acesso exclusivo dos grupos de elite começaram a ser comprados pela classe C. O que eram bens posicionais, na linguagem de Eduardo Gianetti, que serviam para marcar as diferenças de uma classe para outra, perderam esse poder. Continuo a ouvir em saguões de aeroportos incômodas conversas de viajantes que sentem que aqueles espaços não pertencem mais eles apenas. São praias que foram democratizadas. Ao mesmo tempo, vejam como têm crescido o número lounges exclusivos onde os mais incomodados podem se exilar.
O que estamos vendo acontecer hoje já foi extensivamente tratado por vários e é o que Georg Simmel chamou de efeito trickle-down: os segmentos mais afluentes abandonam o uso de certos produtos e marcas quando públicos menos diferenciados passam a consumi-los. E como as diferenças sociais são elementos estruturais em qualquer sociedade humana, o que os públicos mais afluentes fazem é recorrer a produtos, serviços e marcas enfim que reafirmem o traçado dos limites das classes. Marcas que sejam bens posicionais, de fato.
Quanto do mercado de luxo é alimentado por esse movimento de uma nova necessidade diferenciação social é difícil dizer. Por irônico que possa parecer porém, Hermès, Louis Vuitton, Prada, Mercedes-Benz, Tiffany etc. têm muito que agradecer à ascensão classe C.
autor: Jaime Troiano
fonte: http://www.hsm.com.br/