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A engenharia da subcelebridade

Era uma vez em Congonhas, aeroporto de São Paulo, 2012, uma loira de curvas generosas que trocou de roupa com o carro aberto. Nas fotografias do paparazzo, a luz do sol bate obliquamente sobre o corpo dourado de Jessica Lopes e cria sombras tão sensuais quanto aquelas das revistas masculinas, para as quais de fato migraram meses depois. Com a alcunha midiática de “Peladona de Congonhas” veio o sustento atual. Ela concorreu no concurso Miss Bumbum, foi rainha de escola de samba e figurou na campanha de uma marca de roupas. Quase disputou novamente o título de miss, mas sofreu um acidente: soube-se quando deu entrevista a um site de fofocas para anunciar o fim do novo romance e o aumento dos seios.

Andressa Urach tentou ficar famosa com ainda mais afinco. Foi dançarina do cantor Latino, assistente de palco e, por duas vezes, tentou entrar no Big Brother Brasil. Até concorrer ao Miss Bumbum e figurar no reality show A Fazenda. Foi eliminada, é verdade, mas ficou nua e repercutiu na mídia, o que rendeu novos convites. Para quem havia publicado a foto de um mosquito no bumbum, assumido um caso com outra candidata e revelado um affair com o jogador Cristiano Ronaldo em seu tour europeu, a almejada fama finalmente chegava. E, com ela, dinheiro.

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O que separa o anonimato da vida real e a fama na mídia “especializada”, entre a pobreza e ganhos de milhões de reais por ano, nos dois casos, é o assessor Cacau Oliver. Há 12 anos no ramo, com vários cases de sucesso no currículo, ele é o homem que se contrata para virar celebridade instantânea. Demiurgo do mundo pop, com um pé na fantasia e outro no know-how da cultura brasileira, ele fabrica criaturas em poucos dias, ao unir ingredientes simples (rostos e nádegas, sorrisos e histórias, disposição e resiliência) com fórmulas comprovadas (flagras e affaires, concursos, programas de tevê e nacos de nudez) que resultam em 15 minutos ou anos de fama, em um espectro de possibilidades que vai dos milhares aos milhões de reais.

A exemplo de seu similar global, o mundo das subcelebridades é uma complexa engrenagem que só funciona com as peças em sinergia. Sites de fofocas existem graças às figuras ungidas por reality shows, que dependem de moças e rapazes sexualizados um dia lançados por agentes como Oliver. Grandes grupos de mídia (entre eles Globo e Record, donos de sites como Ego e “R7 famosos” e realities como BBB e A Fazenda, respectivamente) se aproveitam desse Olimpo paralelo. Todos ganham quando se alimenta a engrenagem com peças descartáveis, em geral mulheres cheias de sonhos de aceitação e consumo, dispostas a tudo por notoriedade e dinheiro. Basta uma festa, um vestido curto e uma foto para o fato social acontecer.

Parte delas um dia pôs os pés no QG de Oliver em Moema, São Paulo. Lá ele organiza a agenda: a partir de outubro, escolas de samba. “Ai, quem vai ser rainha de quem, vamos derrubar quem, quem vai ficar no lugar de quem. Você vive no país do carnaval.” Reality shows, campeonatos de futebol, tudo entra no cálculo. A equipe de seis funcionários recebe ligações e visitas diárias de moças em busca de fama. “Tem gente que fala assim: olha, quero contratar você, mas só quero posar nua. É meu sonho desde criança. Ou participar de reality. Ou fazer a linha Grazi Massafera. Cada um tem um perfil. Ai, quero ser a Sabrina Sato. O.k., explico o caminho. Se a pessoa aceitar, fecho o contrato.” Sai por 5 mil reais por três meses de “tentativa”. Cada uma é classificada por potencial mercadológico. “A pessoa é um produto que vou gerenciar, lançar no mercado. É um projeto.” Ele até evita lançar “produtos” parecidos. “Modelos que querem posar nuas, no máximo cinco. Até porque dá conflito de interesse e elas vão querer se matar no final. Elas têm uma sede de estar na mídia, é impressionante. A fama é como a cocaína, quanto mais você usa, mais quer.”

Para não serem esmagadas, as aspirantes precisam produzir novos fatos. Affaires com atores e jogadores rendem. Aparecer de topless em Ipanema também. Ideal é entrar em um reality show e ter meses de exposição. Lá, é preciso “causar”, seja uma boa impressão (a moça angelical, peladona, mas com potencial de atriz), seja qualquer uma – como escandalizar o público e saciar a mídia B. Assim o caminho bifurca-se. De um lado está Grazi Massafera, a ex-miss Paraná, ex-BBB e ex-Playboy que virou atriz global. Mãe, mulher de galã, hoje empresta o rosto a produtos de beleza e protagoniza dramalhões bem pagos, sempre vestida, do outro está Andressa Urach, a vale-tudo, e mais 200 ex-BBBs, “ex-peões” e outras oriundas do número crescente de reality shows, “concursos de beleza” e outros eventos necessários ao funcionamento da máquina.

Oliver nega ter plantado o fotógrafo que deu o pontapé para Jessica. Mas, como “aconteceu”, ele criou uma estratégia: entrevistas, ensaios, aparições. “Fui divulgando, a coisa tomou forma. A mídia precisa do estereótipo da gostosona.” Ele dá o empurrãozinho para azeitar a máquina. “É uma construção. Você cria uma história, um factoide, vai criando outro.” Num deles, candidatas ao Miss Bumbum 2013 e aspirantes a “personalidade da mídia” assistiram a uma palestra com Gracyanne Barbosa (exemplo do gênero, ela não canta nem dança ou representa, mas tem fãs e vive na tevê). O evento rendeu matérias. As meninas, todas com sonhos parecidos (“acontecer na mídia” e ficar ricas), apareceram sorridentes. Como Cida Alves, de 25 anos, musa do Flamengo de Pirajuí paulista (ainda que represente a Bahia no concurso e seja de Minas). “Em quem me espelho? Sabrina Sato. Ela é linda, respeitada e tem vários trabalhos.”

É fácil entender. A ex-dançarina do Domingão do Faustão esteve no BBB, posou para a Playboy e virou “panicat”, uma das moças que se submetem seminuas aos experimentos da produção do Pânico em busca da audiência masculina. Ainda faz papel da gostosa burra, mas no patamar de musa. Apresentadora, recebe (salário e merchandising) 200 mil reais por mês e entrou recentemente no rentável ramo dos licenciamentos. A “marca” foi construída. O “projeto” deu certo. O “produto” foi aceito pelo público e conquistou uma duração além do efêmero. Sato fatura 3,5 milhões de reais por ano.

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Uma consultoria decidiu pesquisar esse universo. Ao medir a influência das celebridades, a LabPop Content criou um ranking de celebridades B: lá estão a Peladona de Congonhas e Andressa Urach. “Sua marca tem pouco poder se comparada a celebridades como Ivete Sangalo”, diz Mario Marques, diretor da empresa. Mas encerram uma possibilidade de autogestão infinita. Basta gerar um factoide, operacionalizar o arroubo midiático e ganhar até meio milhão de reais. “Antes era preciso pagar fotógrafo e forjar um flagra. Hoje, elas são editoras de si mesmas. Como o jornalismo é preguiçoso, repercute.”

Ciente disso, Oliver criou o próprio evento-efeméride para produzir celebridades em escala industrial, o Miss Bumbum. Custou 500 mil reais. O investimento passou a render quando decidiu exportar as bundas brasileiras. Oliver negociou os direitos de três realities com as meninas: um japonês, um holandês e um francês. “A mesma coisa de sempre. Pega a menina, o dia a dia dela, o que ela faz para manter a beleza, que o bumbum da brasileira é mais bonito. São sempre as mesmas histórias”, ensina. “Só muda a personagem.”

Denílson Santos, da agência de fotografia de celebridades AGNews, trabalha com fotografia desde o início dos anos 1990. Hoje é figura-chave na engrenagem. Seus 30 fotógrafos produzem um manancial de imagens de celebridades, boa parte sobre famosos B. “Os internautas adoram. Têm a curiosidade de saber o que a subcelebridade veste, o que está fazendo. Ela está ascendendo. E se aproxima do público C, D e E. É um espelho palpável.” Ao contrário de celebridades, que não sujeitam sua intimidade para conquistar espaço, as subs dependem disso para existir. “Existe esse pedido, sim. Ah, vocês podem cobrir tal evento. E vai haver publicação”, diz Santos. Ou seja, existe a demanda para produzir (por assessores e clientes) e a garantia de que a produção será comprada (por sites) e consumida (pelos internautas).

“Ninguém tem sorte. Manter-se na mídia é um trabalho de formiguinha”, diz Oliver. Construir uma imagem é como construir uma casa.” É a fala de um engenheiro. “Meu diferencial é criar um projeto em cima do que ela quer. É um processo: eu dou, mas você tem de ter um talento.” Talento não no sentido estrito. “Tem gente que não quer ser cantora, atriz, que só quer ser conhecida”, explica. “Ah, mas ela não é nada. O público, essa grande massa, quer tirar foto com a personalidade. A vida das celebridades não é tão interessante. A sub deixa que você invada a casa dela, fala da vida sexual, o público quer saber.”

Seria uma nova arte, filha pós-moderna do culto à celebridade? “São os famosos por serem famosos”, diz Leo Braudy, professor da Universidade do Sul da Califórnia e um dos maiores estudiosos do tema. “Elas não têm outro talento, além de poder ser olhadas.” Historicamente, explica, a fama sustenta-se em quatro elementos: a pessoa, a realização, a publicidade imediata e o que permanece na posteridade. Hoje, essa construção foi atropelada pela cultura midiática, diz, com base na expectativa de que ser alguém basta para ser famoso. “A fama não seria atingida pelo trabalho, mas, sim, por ser quem se é, como conferida pela fada madrinha à Cinderela”, ironiza Braudy. “A aspiração ser validada pelo olhar de uma audiência é a motivação para esse fenômeno.”

Em The Frenzy of Renown: Fame and its history, Braudy reconta a história da fama desde as figuras públicas da Roma Antiga. Compreender seu mecanismo, ver como o reconhecimento de pessoas públicas resulta de contextos específicos, pode revelar noções socialmente compartilhadas do que seria o sucesso. Braudy concluiu que a imprensa e a televisão permitiram a produção massiva de imagens desses novos heróis, aproximando-os do público, o que levou ao advento do fã. Diante do olhar do público, o corpo passou a ser uma commodity consumível por todos. Atualmente, o frenesi pela fama teria relação com o arraigamento da sociedade de consumo e a multiplicação dos canais de mídia. “A diferença é a disponibilidade de tantos meios de exposição via internet e novos modelos de autoapresentação que isso criou”, diz Braudy.

Nos anos 1970, as chacretes se mostravam na tevê e saíam na revista Homem. Nos 1980, Xuxa namorou o jogador Pelé, apareceu na Playboy e virou ícone da tevê brasileira. A internet e as redes sociais dos anos 2000 permitiram, porém, a eclosão de um fenômeno de produção em série inédito. O discurso ainda é o das fofocas de celebridades, mas reproduzido com gente comum. “Essa indústria descarta a noção de que a celebridade fez algo produtivo”, afirma David Marshall, professor de comunicação da Universidade Deakin, Austrália. Celebridade tem a ver com mudar as fronteiras entre público e privado, diz. É o que explica o paparazzo, que expõe a vida privada do artista, algo além do métier. “Com o declínio da centralidade da televisão e da imprensa para definir quem é famoso, uma nova ‘economia da atenção’ surge.” A lógica é viral, depende do compartilhamento, da aceitação do consumidor. As obsessões da cultura contemporânea têm sua forma de expressão em sites onde se produzem “personas”, na era da comercialização do eu.

“Todos gostam de falar sobre coisas que são de comum conhecimento, então é mais fácil falar sobre a celebridade do momento”, diz Nathanael Fast, professor de marketing da Universidade da Carolina do Sul. Essa engrenagem se alimentaria da necessidade de falar dos outros, seja por voyeurismo, seja por carência de identificação. Qualquer história de vida vale. “É isso que faz a celebridade continuar famosa, mais do que em tese deveria.” Bombardeado pela espetacularização da vida privada nas redes sociais, o cidadão vive imerso numa cultura da fama instantânea, em que Facebook e Instagram, por meio das curtidas e compartilhamentos, preparam a aceitação da fama instantânea.

“A expectativa é ter na vida real um pouco desse glamour. Ficcional e não ficcional ficam embaralhados”, diz Micael Herschmann, professor de comunicação da UFRJ e autor do livro Mídia, Memória & Celebridades. O que teria a ver com a nova situação econômica: a ascensão da nova classe C. “Num país onde a cidadania tem sido conquistada nos últimos 12 anos a duras penas, ser subcelebridade ainda é ser cidadão de primeira classe.” Com o poder de consumo em alta e a horizontalidade da internet, a indústria cultural teve de abrir espaço para esses novos atores sociais. Novelas recentes têm domésticas como protagonistas. A música da periferia é a trilha sonora. Uma nova estética invade todas as mídias. “E a figura mais palpável disso é esse self-made man que busca na ação midiática uma ascensão social rápida”, diz Herschmann. “Elas querem sentir-se poderosas. É um processo de empoderamento social usar esses episódios midiáticos para construir fama.” A gostosona luta assim por um capital simbólico na mídia, logo conversível em capital financeiro e cidadania.

Demiurgo pop, o assessor Cacau Oliver catapulta à fama, da noite para o dia, desconhecidas como Andressa Urach.

Andressa Urach é essa self-made woman. Nascida em uma família pobre em Ijuí (RS), trabalhava com recursos humanos até virar modelo e fazer uma seleção para um reality show. “Sempre quis trabalhar na tevê”, lembra. Tentou o concurso “Panicat Sagrada”. Não conseguiu. Foi chamada para concorrer a “legendete”, assistente de palco do programa Legendários. Ficou dois meses no ar, descolou um comercial com o cantor Latino e virou sua dançarina. Foi quando conheceu Oliver. “Assim que fechei com o Cacau fiquei conhecida.” Em um ano e meio faturou mais de meio milhão de reais. “Vim de família humilde, então no começo comprei muita bolsa, sapato”, confessa. Em seguida comprou um apartamento no Rio de Janeiro e trouxe mãe, padrasto, irmão e filho de 7 anos. “Tudo o que ganho hoje vai para minha mãe e meu filho.”

Aos 25 anos, recebe 10 mil reais por presença VIP (passear, de vestidinho, por uma festa). Uma campanha de jeans lhe rendeu 50 mil reais. Oliver fica com 30% de tudo. É ele quem angaria os contatos. “Leve esta grande atração para seu evento”, diz o anúncio na página do Miss Bumbum, ao lado de uma foto dela, nua. Como personagem em construção, Andressa fez cirurgias plásticas no rosto, preenchimento nos lábios, pôs silicone. “Não adianta eu me vender como chique. O que vende mesmo é o bumbum.” O próximo passo é entrar para a televisão. “Quero ser apresentadora. Vou ser a futura Hebe Camargo, daqui a uns 20 anos. Até lá, vou viver do meu corpo.”

Quem aceita o pacto mefistofélico pela fama sabe o que espera. A Peladona de Congonhas há até pouco tempo lecionava matemática na rede pública de Porto Alegre. Virou modelo, fez reality shows, posou seminua, escancarou sua intimidade. Hoje fatura 1,5 mil reais com presenças VIP, o salário mensal de professora. O próximo passo é virar apresentadora de tevê e aposentar a nudez. “Adriane Galisteu é o exemplo de quem deu certo nessa nossa busca.” Jessica conseguiu uma vaga temporária de repórter na RedeTV! “Como repórter você consegue explorar sua inteligência. A mídia instantânea te permite mostrar quem você é, mas, pra se sustentar, você precisa ser.”

Com o espaço midiático ampliado ad infinitum pela internet, a matemática, simples, torna-se óbvia. É preciso mais conteúdo para preencher tanto meio. E conteúdo não nasce sempre sozinho. É onde entram as subcelebridades. As apressadas tentam o golpe de mestre. Segundo um fotógrafo, uma menina ligou dizendo ser assessora de imprensa e ofereceu fotos no iate do Neymar. Haveria uma festa no barco, prato cheio para os paparazzi. Quando ele se viu no táxi com a moça, ela começou a trocar de roupa. “Era uma prostituta se fazendo de assessora de imprensa. Ela queria aparecer nas fotos, orientou o fotógrafo, uma cena que ela praticamente estava montando. A história dela bombou. Mas ela não se segurou.”

No lugar dela, surgiram outras personagens. Em sua inércia avaliada em milhões, a engrenagem das subcelebridades funciona sozinha. A tendência é que mais produtores e consumidores surjam no horizonte, assim como moças e rapazes em busca de ascensão social, a tudo dispostos para garantir a aposentadoria. Mesmo se for necessário apelar para a automutilação psicológica. Geisy Arruda ficou conhecida após um vídeo “vazar” na internet em 2009, no qual era hostilizada por alunos da universidade por usar um vestido que não dava conta da generosidade de suas formas. De vítima a subcelebridade foi um pulo. Ela posou pelada, ganhou os holofotes. Tentou carreira na tevê, foi DJ. Fez o que pôde para sobreviver. Mas acabou esquecida. Até um novo fato exumar seu cadáver midiático e a catapultar de volta à cena, ela segue fora da engrenagem, enterrada no cemitério das subcelebridades.

autor: Willian Vieira
fonte: Carta Capital

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