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Vale a pena segurar abacaxi?

Diante de clientes não-rentáveis, a empresa precisa buscar alternativas para torná-los lucrativos ou, então, livrar-se deles. Mas no caso de romper relações é preciso encontrar um modo de fazer isso sem arranhar a imagem da corporação

Em junho passado, a operadora de telefonia celular norte-americana Sprint Nextel “demitiu” mil clientes. O motivo? Eles estavam ligando muitas vezes para fazer reclamações à central de atendimento. Cada um telefonava, em média, 25 vezes por mês. Além de provocar um aumento nos custos da empresa, eles congestionavam o call center, impedindo que os outros 54 milhões de clientes fossem atendidos com rapidez. “Avaliamos os cadastros desses consumidores desde o ano passado e vimos que nossos esforços para resolver os problemas e atender às suas freqüentes ligações não eram suficientes. Concluímos que éramos incapazes de atender às suas necessidades atuais. Alguns desses consumidores ligaram mais de uma centena de vezes por mês durante o período de seis meses de estudo”, garante Roni Singleton, administradora de relações públicas da companhia, em entrevista por e-mail. A operadora também alegou que grande parte dos usuários dispensados não estava com as contas em dia.

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O caso da Sprint Nextel suscita um debate: a empresa pode cortar o relacionamento com aqueles clientes não-lucrativos ou que exigem muita atenção? Mais: como fazer para dispensar esses clientes, sem arranhar a imagem da empresa? No exemplo da empresa norte-americana, os clientes “demitidos” geravam um alto custo financeiro, já que consumiam grande parte do tempo dos atendentes do call center. Além disso, ao congestionar as linhas contribuíam para piorar a reputação da empresa, já conhecida pela lentidão no atendimento. Detalhe: a “dispensa” dos clientes ocorreu por meio de uma carta enviada pelo correio. Entre os especialistas em marketing e relacionamento com o consumidor, a atitude da Spint Nextel se revela bastante controversa.

O professor Antonio Marinho, diretor da Faculdade de Administração da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em Porto Alegre, sustenta que não se pode dispensar um cliente depois de todo o esforço para conquistá-lo. “Doa a quem doer, a empresa tem de manter esse cliente. É errado mandá-lo embora, só porque ele deu retorno negativo”. De acordo com Marinho, nesses casos o que ocorre, geralmente, é um erro de avaliação da empresa sobre o potencial de retorno do cliente – e o consumidor, insiste, não deveria sofrer as conseqüências disso. Outro aspecto é que, ao cortar o relacionamento com um freguês, a empresa corre o risco de perder outros. Aqueles que ficam podem pensar: “Hoje é ele, amanhã serei eu”. Para Marinho, todas as formas de desligar um cliente são prejudiciais à empresa, razão pela qual ele aconselha não começar o relacionamento, caso não se encaixe no perfil do público-alvo.

“O que fez a Sprint é o rabo abanando o cachorro. Uma total inversão de valores”, reage Eduardo Macedo, da consultoria de varejo Gouvêa de Souza & MD. Sob essa ótica, não importa o quão inconveniente seja o cliente: é preciso encontrar um caminho para atendê-lo de forma satisfatória. Isso pode ser feito, por exemplo, criando um novo serviço ou produto, de modo a tornar aquele consumidor rentável.

Foi o que fez o portal UOL nos primeiros anos da internet brasileira. Como não sabia usar a rede, a maioria das pessoas ligava com grande freqüência para o Serviço de Atendimento ao Consumidor. Na época, o UOL criou uma assinatura mais barata (R$ 19,90), com uma condição: o pacote não cobria o apoio do SAC telefônico, apenas por e-mail. Desse modo, oferecendo um desconto, conseguia transferir uma fatia considerável dos usuários para o atendimento via internet. Quem quisesse, claro, podia usar o atendimento por telefone, desde que pagasse um adicional por ligação. Na verdade, o UOL propôs uma mudança nas regras do jogo e comunicou isso aos clientes – evitou, com isso, arranhar a imagem da empresa. “É apenas uma questão de organizar e deixar claras as regras e o que está ou não incluído naquela relação de consumo”, explica Macedo. A idéia da Sprint Nextel de se livrar dos clientes incômodos ou não-rentáveis, portanto, não é estranha ao mercado. Segundo os especialistas, a forma utilizada é que não foi a melhor.

Saindo de fininho

No Brasil, não existem casos notórios de empresas focadas no consumidor final que tenham dispensado clientes. Os únicos casos que ganharam repercussão foram os planos de saúde – que justamente por isso ficaram com uma péssima reputação. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), desde a publicação da Lei 9.656, de 1998, é proibido aos planos recusar qualquer paciente.

No varejo, o que geralmente acontece é que as empresas vão abandonando, sem alarde, os clientes que não interessam mais. “Você não recebe uma carta, uma comunicação. Lentamente, você é esquecido, de propósito ou não. Mas isso não acontece com um bom cliente. Ninguém esquece de um bom cliente”, diz Raul Candeloro, editor da revista VendaMais, voltada para o varejo. Ou, então, as empresas aumentam as exigências e estabelecem obstáculos para barrar os consumidores indesejados. As seguradoras, por exemplo, analisam a quantidade de sinistros em que o cliente se envolveu para eventualmente recusar o seguro ou, então, cobrar prêmios mais altos. Já os bancos verificam o histórico financeiro do cliente para ver se não se trata de um caloteiro contumaz. Os bancos, aliás, encontraram uma forma bastante eficiente de lidar com os clientes de diferentes rentabilidades. Eles cobram taxas mais altas para quem usa menos os serviços. Ou seja, o cliente que tem várias aplicações, seguros ou planos de previdência vai pagar menos ou até nenhuma taxa.

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Se no varejo é pouco usual dispensar diretamente os clientes, nos negócios entre empresas isso acontece com freqüência. Como se trata de um relacionamento personalizado e bem mais duradouro, o entrosamento entre as duas partes precisa ser muito maior. “Acredito que a empresa pode muito bem definir quem são os clientes que merecem trabalhar com ela. Afinal, a companhia pode ser mais ou menos valorizada no mercado pelo perfil dos clientes que possui”, afirma Paulo Bittencourt, diretor de negócios da Sarau, uma recém-inaugurada agência de comunicação entre empresas. Nesse caso, de novo, os bancos podem servir de referência. De alguns anos para cá, para conceder financiamento a um empreendimento, alguns passaram a exigir que o projeto seja sustentável, o que contribui para melhorar a imagem da instituição financeira. É o caso do Banco Real, que já é reconhecido pelo compromisso com a sustentabilidade.

Interferência positiva

Nos negócios B2B, portanto, há outros itens que são levados em conta na hora de definir os clientes – além da margem de lucro que proporcionam. “A rentabilidade não é a primeira indicação de um bom cliente, embora também não seja a última”, pondera José Carlos Teixeira Moreira, diretor da JCTM Marketing Industrial. De acordo com o consultor, existem vários tipos de clientes que devem ser valorizados. “Há clientes que são importantes porque promovem espontaneamente a empresa ao fazer uso correto daquilo que ela produz”, assinala.

Um outro aspecto importante para definir os bons parceiros nos negócios B2B é saber se o cliente vai interferir positivamente no futuro da empresa. Para descobrir isso, levam-se em conta duas características. A primeira é verificar se há consonância de princípios entre as duas partes. “Se esses princípios são comuns, já é um primeiro passo para eu poder pensar que esse parceiro pode estar comigo lá na frente”, diz Bittencourt. O outro é se a empresa-cliente proporciona ao fornecedor a chance de inovar. “Como inovação é algo que ainda não foi feito, você precisa ter uma relação de confiança muito grande para que ela seja possível”, avalia.

O cliente com esses atributos – que, em muitos casos podem ser mais relevantes do que a rentabilidade financeira imediata –, geralmente, acaba sendo o mais rentável ao longo do tempo. “É aquele que compra pelo valor que a empresa tem e não apenas pelo preço”, justifica Moreira da JCTM. O tamanho do cliente ou a participação dele no faturamento do negócio também são fatores que devem ser levados em conta, porque são importantes para a sobrevivência da empresa no curto prazo.

Hora do divórcio

Nos negócios entre indústrias ou que envolvem os canais de distribuição, o encerramento da parceria também é menos complicado – e, por isso, mais freqüente. Num esforço para melhorar a rentabilidade do negócio, a Altero resolveu deixar de distribuir para algumas lojas multimarcas os acessórios de metais que fabrica. No último ano, o número de revendas caiu 30%. “Mas mesmo com esta diminuição, tivemos um aumento no faturamento. Afinal, estamos selecionando os clientes que realmente acreditam no produto e têm perfil para vendê-lo”, explica Alcimar Lodetti, presidente da Altero. Ao mesmo tempo, a empresa começa a investir numa rede de lojas exclusivas, próprias e franqueadas, voltada a profissionais de decoração e arquitetos.

“À medida que você atua num mercado mais competitivo, tem de eliminar os clientes e aqueles itens que não são rentáveis”, sustenta Dirk Schwenkow, do Ibmec São Paulo. O problema reside no fato de que a maioria das empresas sequer sabe quais são os clientes rentáveis e quais dão prejuízo. “Em geral, as empresas costumam analisar apenas a rentabilidade do conjunto da operação, sem dar grande importância ao fato de onde veio cada parcela do resultado”, constata Schwenkow. É preciso fazer um pente fino analisando a rentabilidade por cliente e por produto – e fazer esse tipo de avaliação com regularidade, não só quando a empresa passa por dificuldades.

De posse das informações sobre a origem dos resultados (lucros ou prejuízos), é possível pensar em ações para reverter a situação do negócio que não dá retorno. Afinal, o objetivo não é simplesmente mandar o cliente embora, mas encontrar um modo de tornar aquela relação rentável. A catarinense Portobello Shop, por exemplo, acompanha mês a mês a rentabilidade dos franqueados. Se a mesma franquia aparece por três meses seguidos em último lugar, é acionado o sinal vermelho. Uma equipe de consultores vai até a unidade para ver o que está acontecendo e trabalha para resolver os problemas que estão afetando o desempenho. “A gente não espera por um agravamento da situação para depois ver o que dá para fazer. Colocamos logo uma equipe para resolver o problema do franqueado”, conta Juarez Leão, diretor da Portobello Shop.

A raiz do problema

Determinar a origem da dificuldade é fundamental. “Se descubro que tenho clientes não-rentáveis, a primeira pergunta deve ser: por que eu tenho esses clientes que não me dão retorno?”, sugere o professor Victor Almeida, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A raiz do problema pode estar na própria empresa que não teria competitividade para oferecer o produto ou serviço pelo mesmo preço do concorrente. “Nesse caso, tudo fica muito complicado porque você não consegue prestar o serviço da forma que o cliente está exigindo, mas o competidor consegue”, explica Almeida. A saída, nesse caso, é aumentar a competitividade. E se a empresa concluir que não tem condições de praticar os mesmos preços da concorrência não há razão para continuar aquela relação. “É melhor se dedicar a buscar outros clientes, aos quais pode atender de maneira mais competitiva”, recomenda o professor da Coppead.

Mas o motivo para a não-rentabilidade também pode ser outro: o cliente está exigindo muito mais atenção do que a empresa planejou dar. Nesse caso, ela deveria mostrar a esse cliente como aquele serviço é prestado, deixando claro que a operação não é rentável – e que, portanto, o preço deve mudar. Se mesmo após essa discussão ele continuar demandando algo impossível com aquele preço, pode ser o caso de romper a relação.

Tome-se o caso da Fundição Tupy, de Joinville (SC). No final do ano passado, ela decidiu romper o fornecimento de blocos de motor para um de seus clientes. “Ele descobriu um fornecedor mais barato e tentou renegociar o contrato para baixar os preços”, conta Luiz Tarquínio Sardinha Ferro, presidente da Tupy. E, para a Tupy, não interessa trabalhar com um cliente que não gere boa rentabilidade, mesmo que ele seja relevante – como era o caso da empresa dispensada. “Às vezes, o outro fornecedor não tem a nossa qualidade e por isso pode cobrar menos”, compara.

“A empresa pode muito bem definir quem são os clientes que merecem trabalhar com ela. Afinal, uma companhia pode ser mais ou menos valorizada pelo perfil dos clientes que possui”

Paulo Bittencourt
Diretor de negócios da Sarau, agência de comunicação entre empresas

Também não é incomum, diz Sardinha Ferro, que os clientes da Tupy queiram esticar os prazos de pagamento – regalia que a empresa tampouco oferece. Mesmo com uma política dura de negociação, ele faz questão de ressaltar que o encerramento de um contrato está longe de significar que a Tupy não volte a fazer negócios com aquela empresa. Um cliente que a companhia catarinense havia deixado de atender em 2005, por exemplo, voltou a comprar seus produtos este ano.

Cliente estratégico

Como toda regra tem exceção, há casos em que vale a pena manter quem não traz lucro. Um requisito básico, claro, é que isso seja feito dentro de uma estratégia de negócios e não por falta de acompanhamento e de avaliação da rentabilidade daquela operação. De acordo com os especialistas, a primeira situação em que o cliente merece ser mantido é quando ele é novo. Provavelmente, a empresa teve um gasto para conquistá-lo e precisa de certo tempo para recuperar o investimento. Além disso, em geral, no começo da relação o cliente tende a fazer pedidos menores para testar o fornecedor. “Fizemos um contrato que, no início, demandava uma pessoa para o serviço. Agora, o contrato já exige 80 pessoas”, relata Luis Binotto, diretor-geral da Sindus Andritz, de Porto Alegre (RS), que faz manutenção industrial para companhias do setor de papel e celulose.

“Se descubro que tenho clientes não-rentáveis, a primeira pergunta que deve ser feita é: por que eu tenho esses clientes que não dão o retorno que a empresa necessita?”

Victor Almeida
Professor do Instituto de Pós-Gradução em Administração (Coppead), da UFRJ

Outra situação em que os analistas asseguram que é vantajoso atender o cliente, mesmo sem rentabilidade, é quando ele proporciona aprendizado ou, então, quando gera uma diferenciação de imagem para a empresa no mercado. Por exemplo, quando o cliente detém excelência em determinada área e isso vai permitir à empresa fazer modificações no produto ou no processo. “Na verdade, nesses casos quase não se trata de um cliente, uma vez que a empresa está investindo na aquisição de know-how”, explica Almeida, da Coppead.

Esse tipo de relação ocorre especialmente nos processos de internacionalização, quando a conquista do primeiro cliente num país serve depois como cartão de visita para abrir portas naquele mercado. “Nesses casos, a razão estratégica justifica manter uma operação, mesmo com prejuízo – desde que não seja por longo tempo, claro”, ressalta o professor.

Uma terceira razão para manter uma operação não-rentável é quando o cliente dá prejuízo em um produto, mas lucro em outros. “Se no produto “A”, o cliente me faz perder dinheiro, mas tenho lucro nos produtos B, C e D, é estrategicamente recomendado aceitar essa situação”, acredita Schwenkow, do Ibmec. Essa prática é bastante comum no varejo. Um exemplo vem dos supermercados, com a venda do pão francês. Quase todos eles têm prejuízo com o produto, mais adequado para ser feito em padarias, que têm estruturas menores. Mas os pãezinhos atraem os consumidores, que acabam comprando também outros produtos. “Pode ver que a secção de pães está sempre no fundo do supermercado. Assim, as pessoas precisam passar pelas prateleiras com os outros produtos”, exemplifica Almeida.

Por último, é preciso avaliar se o cliente que dá prejuízo hoje não dava lucro no passado ou se tem probabilidade de voltar a ser rentável no futuro. De acordo com Candeloro, para fazer essa avaliação utiliza-se a fórmula da Recência, Freqüência e Valor (RFV). Claro que esses conceitos vão ter significados diferentes em cada tipo de negócio. A recência considera quando foi feita a última compra. No caso de uma construtora, o cliente que acabou de comprar um imóvel provavelmente não vai comprar outro em breve. Já um cliente que comprou pão e leite certamente continuará comprando esses itens.

A freqüência analisa quantas vezes o cliente compra o produto num determinado espaço de tempo – uma vez por semana, uma vez por mês ou uma vez por ano. Já o valor, médio ou acumulado, considera o montante gasto em cada compra. Se um cliente gasta um valor pequeno, pode parecer que não dá retorno. Mas se ele comprar muitas vezes a situação é outra. “Por isso é necessário misturar essas três variáveis, porque um cliente pode gastar pouco, mas comprar várias vezes. O outro gasta mais em cada compra, mas faz isso poucas vezes”, explica Candeloro. É claro que, por outro lado, aquele que compra muitas vezes dá mais trabalho para a empresa. Cabe a ela, portanto, avaliar se o esforço para atendê-lo está dando retorno.

Uma coisa é certa: não dá para determinar o valor de um cliente apenas pelos aspectos mais aparentes. Antes de dispensá-lo, é preciso considerar toda a história do seu relacionamento com a empresa. Não há dúvida, o abacaxi precisa ser descascado e fatiado.

autores: Marcos Graciani e Simone Fernandes
fonte: Revista Amanhã

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